Poder 360, 4 de maio de 2024
Pela sexta reunião consecutiva, essa semana o Comitê de Mercado Aberto do Federal Reserve (FOMC) dos EUA decidiu manter a taxa básica de juros na faixa de 5,25-5,5% ao ano. Grosso modo, conforme expectativas de mercados e analistas.
No primeiro trimestre do ano, a inflação mostrou resistência à queda em direção à meta de 2% anuais, enquanto o consumo doméstico se manteve forte. Cedo para se iniciar qualquer redução de juros.
O comunicado do FOMC divulgado após a reunião de dois dias reconheceu que a inflação ressurgiu como um problema depois de uma série de relatórios de inflação preocupantes até agora no ano:
“Nos últimos meses, não houve mais progressos em direção ao objetivo de inflação de 2 por cento do Comitê”.
Na reunião de janeiro, o FOMC já havia acrescentado uma nova linguagem em sua declaração, como uma espécie de reação à “mania de corte de taxas” que havia então tomado conta do mercado, com previsões de até seis cortes em 2024. Essa semana repetiu essa linguagem pela terceira vez:
“Ao considerar quaisquer ajustes ao intervalo da meta para a taxa de fundos federais, o Comité avaliará cuidadosamente os dados recebidos, a evolução das perspectivas e o equilíbrio dos riscos. O Comité não espera que seja apropriado reduzir o intervalo da meta até que ganhe maior confiança de que a inflação está evoluindo de forma sustentável em direção a 2%.”
Ao avaliar o cenário económico, o comunicado diz que a atividade econômica “continuou a expandir-se a um ritmo sólido”, algo também mencionado pelo Governador Powell durante a conferência de imprensa. O PIB cresceu moderadamente a um ritmo anual de 1,6% do PIB no primeiro trimestre, mas as vendas finais a compradores domésticos privados mostraram um sólido aumento trimestral de 3,1%, indicando uma dinâmica sustentada sem sinais de estagflação. Mas Powell claramente evidenciou uma preocupação quanto ao processo de desinflação após os recentes números de inflação resistente à queda.
A possibilidade de até um aumento nas taxas – ao invés de redução ou permanecer onde estão – apareceu várias vezes durante a conferência de imprensa. Ao que Powell respondeu ser:
“improvável que a próxima mudança na taxa seja uma subida” (…) “o foco da nossa política é realmente por quanto tempo manteremos a política restritiva”.
Mas a mera possibilidade de aumentos das taxas sequer estava na mesa antes. Isso em si já representou forte mudança em relação a se falar tanto de vários cortes nas taxas até há pouco.
O corte de taxas ainda parece ser o caso básico para os membros do FOMC. No entanto, estão emitindo a mensagem de que os dados determinarão quando isso ocorrerá, sem comprometimento com nenhum número específico de cortes e, naturalmente, aguardando por maior confiança para iniciar o ciclo de flexibilização. Na nossa opinião, levando em conta as observações de Powell, após três meses de dados de inflação desfavoráveis, será necessário um período de meses favoráveis de inflação para que a discussão sobre cortes de taxas reapareça no comité.
Penso que o que vimos essa semana foi uma mudança bastante clara de atitude em relação à virada do ano. O Federal Reserve então parecia bastante confiante de que iria conseguir uma “aterrissagem suave” sem afundamento para a economia dos EUA, que a inflação continuaria a cair e que isso o deixaria em posição de cortar as taxas de juro várias vezes ao longo de 2024. Após a recente decepção com a inflação, o que parece termos agora é um FOMC evasivo e esperando para ver. As taxas de juro permanecerão elevadas durante pelo menos alguns meses, talvez até depois das eleições nos EUA.
Powell abordou isso na conferência de imprensa na quarta-feira (01 maio 2024). Disse ter esperança de que muitos dos fatores que levaram à queda da inflação ao longo de 2023 – como a entrada de muito mais trabalhadores no mercado de trabalho dos EUA – pudessem resultar em condições igualmente favoráveis, eventualmente, em 2024. Mas reconheceu que isso não era algo que o Federal Reserve pudesse garantir…
Powell observou que a posição do Federal Reserve em relação às taxas era um reflexo da força da economia dos EUA. Poderia naturalmente ficar atrás em relação a cortes no outro lado do Atlântico – como o Banco Central Europeu, que deverá cortar em junho – mas apenas porque a economia americana estava muito mais saudável do que outras:
“A diferença entre os Estados Unidos e outros países que estão agora considerando cortes nas taxas é que simplesmente eles não estão tendo o tipo de crescimento pelo qual estamos passando. Eles têm uma inflação semelhante à nossa, ou talvez um pouco melhor, mas não estão experimentando o tipo de crescimento que estamos vivendo. Na verdade, temos o luxo de ter um crescimento e um mercado de trabalho fortes, um desemprego muito baixo, uma elevada criação de emprego e tudo isso. E podemos ser pacientes, cuidadosos e cautelosos ao nos aproximarmos da decisão de cortar as taxas.”
Além disso, o comitê anunciou uma redução gradual do aperto quantitativo (QT) a partir de junho. Haverá uma redução do limite de resgate mensal dos títulos do Tesouro de 60 para 25 bilhões de dólares, mantendo o limite de resgate mensal da dívida das agências e dos títulos garantidos por hipotecas das agências em 35 bilhões de dólares.
Quaisquer pagamentos de capital que excedam estes limites serão reinvestidos em títulos do Tesouro, aliviando potencialmente as pressões no mercado de títulos advindas das elevadas emissões pelo Tesouro. O Federal Reserve já deixou de recomprar mais de US$ 1,5 trilhão em ativos vencidos em carteira desde que iniciou o QT em julho de 2022. Quer evitar o tipo de explosão que ocorreu no mercado de recompra em 2019, quando se viu obrigado a retroceder em sua primeira rodada de QT. Segundo Powell, o QT mais lento:
“É para garantir que o processo de redução do balanço até onde queremos chegar seja tranquilo e não acabe com turbulência no mercado financeiro, como aconteceu na última vez em que fizemos isso”.
A nosso juízo, o comunicado e a conferência de imprensa reafirmaram que o FOMC não está atualmente inclinado a aumentar taxas, mas aguarda dados que permitam maior confiança antes de considerar cortes. Após os dados decepcionantes da inflação no primeiro trimestre, é provável que as taxas básicas permaneçam em seu nível atual por um período mais longo que o que se esperava.
Como reflexo no Brasil, a continuidade dos juros dos EUA em patamar elevado torna mais difícil para o Banco Central brasileiro reduzir a taxa daqui [P.S.: com efeito, o COPOM reduziu o ritmo de queda na taxa SELIC para 0,25% em 8 de maio, contra 0,50% nas reunioes anteriores]. Com o juro brasileiro não caindo na intensidade em que antes se esperava, o crescimento da economia tende a ficar entre 2% e 2,5%.
Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.