Poder 360, 24 setembro 2022
Há uma sincronia internacional no aperto de políticas monetária e fiscal
Que semana de elevação de taxas de juros na economia global… Na 4ª feira, o Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos elevou em 75 pontos básicos a meta para a taxa de fundos federais, levando-a ao intervalo de 3% a 3,25%, além de sinalizar um nível visivelmente mais alto ao fim do ciclo de alta em curso.
O Fed manteve sua “orientação sobre o futuro” de que novos aumentos de juros serão apropriados. Observou que, embora gastos e a produção tenham diminuído, o aumento de empregos tem sido robusto.
O chamado “gráfico de pontos”, mostrando as projeções individuais dos integrantes do comitê de mercado aberto do Fed, trouxe grandes mudanças em relação ao do mês de junho. A mediana das projeções de juros dos fundos federais aponta agora para uma taxa de 4,4% no final deste ano, com apenas duas reuniões restantes. Depreende-se que esperam um aumento de 75 pontos básicos em novembro e outro de 50 em dezembro, acima dos 50 e 25 pontos básicos anteriores, respectivamente.
Os juros deverão subir algo mais no início de 2023, com um pico projetado em 4,6% segundo a mediana das opiniões dos membros, lá permanecendo até 2024. Jerome Powell, presidente do Fed, repetiu após a reunião que os juros terão de permanecer restritivos o suficiente para manter por um tempo a economia norte-americana rodando abaixo de seu potencial, algo que seria necessário para reduzir a inflação.
Isto apareceu em revisões para baixo nas previsões para o crescimento real do PIB: 0,2% ano a ano no 4º trimestre deste ano, seguido por 1,2% e 1,7% em 2023 e 2024, respectivamente. O crescimento nos próximos dois anos ficará abaixo da estimativa do potencial da economia de 1,8%. O Fed revisou sua previsão para a inflação para cima até 2024, com o alcance de sua meta apenas em 2025.
O Fed revisou também sua projeção para a taxa de desemprego no próximo ano, prevendo que esta aumentará de 3,7% agora para 4,4% até o final de 2023. Historicamente, uma subida na taxa de desemprego dessa magnitude ao longo de um ano foi sempre seguida por uma recessão.
Em julho, observamos aqui (https://www.poder360.com.br/opiniao/a-economia-dos-estados-unidos-esta-em-recessao/) como, além da provável revisão para cima nos números negativos de PIB do 2º trimestre, o desempenho do mercado de trabalho então punha em questão a classificação da economia dos Estados Unidos como já estando em recessão. O desaquecimento do mercado de trabalho indubitavelmente faz parte dos objetivos perseguidos pelas autoridades monetárias como reflexo da prioridade estabelecida à queda da inflação. É a “dor” referida por Powell como o “menor entre 2 males”…
Há uma elevação generalizada de taxas de juros. Também nessa semana os bancos centrais da Suíça, da Suécia, da Noruega, de Hong Kong, da Inglaterra, da Indonésia, das Filipinas e da África do Sul assim o fizeram, depois do Banco Central Europeu e do Canadá na semana passada. No Brasil, não houve aumento, até porque um ciclo de forte alta já ocorreu desde o ano passado.
O Banco Central Europeu (BCE) teve sua primeira alta de juros em 11 anos em julho e, em 8 de setembro, a mais alta até hoje, de 75 pontos básicos. Depois de estar em território zero ou negativo por mais de uma década, a União Europeia agora tem uma taxa de 0,75%. A despeito dos sinais claros de esfriamento na atividade econômica, a taxa de juros do ainda deverá continuar subindo. Na Zona do Euro, a produção industrial caiu significativamente em julho, sob o efeito do choque de preços de energia, enquanto a inflação cheia projetada para o mês de setembro está próxima de 10% ao ano.
O fenômeno de inflação mais alta é de alcance global, induzindo bancos centrais pelo mundo afora a apertar seus botões restritivos. Com algumas exceções, como no caso de China, Rússia e Japão. Neste último caso, a opção foi por vendas de reservas de títulos do Tesouro dos EUA para tentar segurar a desvalorização cambial do iene perante o dólar.
A Suíça também disse estar cogitando vender moeda estrangeira para sustentar o franco suíço, além de aumentos de juros entre reuniões de seu banco central. Assistimos a “guerras cambiais” no período após a crise financeira global de 2008-09, quando países se acusavam de estar exportando seus problemas de desemprego mediante redução significativa de taxas de juros domésticas e desvalorização cambial. Agora talvez tenhamos uma “guerra cambial reversa”, já que a apreciação do dólar americano estaria exportando inflação para os demais.
Há um desafio intrínseco à economia globalizada. Cada banco central olha para seu umbigo, decidindo políticas monetárias de acordo com o que acha ser necessário no que diz respeito ao dilema local entre desemprego e inflação. Mas numa economia tão interdependente, as repercussões de suas decisões vão bem além de suas fronteiras e retornam. A probabilidade de retroalimentação de políticas monetárias restritivas é maior quando todas estão respondendo a um problema inflacionário que lhes é comum.
Por vários motivos, o crescimento econômico chinês vem desacelerando este ano. A Zona do Euro também parece estar deslizando rumo a uma contração econômica, como observamos acima. Levando-se em conta adicionalmente a desaceleração nos Estados Unidos, torna-se provável que ocorra uma “recessão global”, ou seja, uma queda do PIB per capita global.
Um relatório esse mês pelo Banco Mundial – “Uma recessão global é iminente?” – observou como, a despeito da desaceleração global no crescimento em curso, a inflação em muitos países subiu para os patamares mais altos em décadas. Como consequência, a economia global está passando por um período de sincronia internacional no aperto de políticas monetária e fiscal, como aquele que precedeu a recessão global de 1982.
Uma variável chave a esse respeito será a evolução do ritmo inflacionário, demandando ou não mais aperto. O Instituto de Finanças Internacionais (IIF, em inglês) trouxe um relatório essa semana sugerindo ter findado o efeito da pandemia de covid como fonte de choques sobre as cadeias de suprimento, dada a normalização de prazos de entrega e a diminuição de sua pressão ascendente sobre a inflação. No lado da oferta, há ainda os impactos da guerra na Ucrânia sobre a inflação global e, especialmente, na Europa.
Resta ainda saber em que medida, nos próximos meses, a retroalimentação de preços e a espiral inflacionária nas maiores economias irão ceder ao aperto fiscal e monetário sem exigir doses ainda mais fortes. De qualquer modo, a revisão para baixo nas projeções de crescimento global em 2022 e 2023 já tem sido notável.
Otaviano Canuto, 66 anos, é membro-sênior do Policy Center for the New South, membro-sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor-executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de Assuntos Internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Escreve para o Poder360 mensalmente, com publicação sempre aos sábados.