FOLHA DE SÃO PAULO
Por Otaviano Canuto em 14 de maio de 2020
As projeções macroeconômicas divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em abril mostraram uma economia global derrubada pela Covid-19. Noventa países deverão ter seus PIBs encolhidos este ano. Mesmo se antecipando um retorno a taxas positivas de crescimento no próximo ano, a renda per capita no final de 2021 ainda será menor que a de dezembro do ano passado. Trata-se de um desastre econômico comparável ao que aconteceu durante a Grande Depressão dos anos 30 no século passado.
Presume-se que a recuperação pós-crise deverá se iniciar na segunda metade do ano, pelo menos naqueles países onde o surto de coronavírus seja considerado como passado e as políticas de achatamento da curva pandêmica possam ser relaxadas. Os choques provocados pela Covid-19 têm sido profundos enquanto duram, mas invariavelmente serão temporários.
Quão rápida será tal recuperação, ou seja, qual será o formato da curva de evolução do PIB no tempo? De que dependerá esse formato?
Permitam-me mencionar quatro formatos estilizados possíveis para tal evolução do PIB. O mais otimista é aquele de um “V”. Depois de sofrer uma forte pancada durante a pandemia, a economia retorna em pouco tempo à trajetória anterior. A perda de PIB durante o período de restrições – por conta de choques de oferta e da demanda reprimida – é definitiva. Contudo, desde que não fiquem sequelas duradouras do período de surto do vírus e da crise sobre o sistema produtivo e as condições dos agentes econômicas, tudo volta ao normal anterior.
Algo menos otimista e mais provável que o anterior é o formato em “U”. Os efeitos da pandemia perduram, inclusive porque as normas de distanciamento social permanecem por algum tempo, mas por fim o PIB retoma sua trajetória anterior após um período em baixa. Mesmo que as condições sanitárias sejam declaradas normalizadas, consumidores e empresas hesitarão antes de voltar a seus padrões de consumo e planos de investimentos anteriores.
Há, não obstante, duas outras trajetórias mais pessimistas. Uma delas é a forma de um “W”. Esse será o caso se, após um relaxamento das políticas de distanciamento social, novos surtos de Covid-19 aparecerem e novas rodadas dessas políticas sejam implementadas. Essa possibilidade é mencionada por todos aqueles que argumentam contra algum levantamento precoce de restrições à mobilidade e à aglomeração de pessoas.
Finalmente, há a possibilidade de que o estrago deixado pelo coronavírus seja permanente ou durável. Nesse caso, a recuperação toma a forma de um “L”. A economia volta a crescer, porém em patamares do PIB ao longo do tempo inferiores ao que seria o caso se Covid-19 não tivesse aparecido.
Planos prévios de investimento podem ser engavetados. Empresas previamente saudáveis podem ter falido por conta da deterioração abrupta e repentina em suas condições de operação durante a crise. Mudanças no padrão de consumo podem levar à eliminação definitiva de postos de trabalho sem que desempregados encontrem rapidamente emprego alhures. Processos de produção podem ser alterados para formas menos eficientes para evitar riscos anteriormente não considerados relevantes. A condição patrimonial de famílias, empresas e governo poderá também sofrer deterioração significativa durante a epidemia.
Decerto a dívida pública subirá em todo o mundo, algo naturalmente esperado em decorrência do papel do Estado como seguradora de catástrofes em última instância em todos os países do mundo. Medidas emergenciais e temporárias, bancadas pelo setor público, têm sido em geral adotadas, objetivando minimizar as consequências desastrosas da parada súbita – temporária mas potencialmente letal – provocada pelo coronavírus. Não por acaso, pelo mundo afora, governos têm anunciado políticas dramáticas de transferência de renda para trabalhadores informais, linhas de crédito especiais para segmentos de empresas – às vezes atreladas à preservação de empregos -, medidas de desoneração de encargos tributários e assim por diante.
A rigor, da qualidade – em termos de custo-eficácia – dessas políticas públicas dependerá a resposta à segunda questão que propusemos, ou seja, de que dependerá o formato da recuperação. Por um lado, há o ônus da dívida pública. Por outro, quanto maior for a suavização dos fluxos de renda das famílias – especialmente das mais vulneráveis e sem poupança acumulada – e menor for a falência de negócios saudáveis em condições normais, mais próximo o país estará do formato em “U” do que do “L”.
Há também a possibilidade de que a crise, em seu curso, suscite mudanças nos ambientes institucionais do país, com efeitos favoráveis ou desfavoráveis ao crescimento com inclusão social no longo prazo. Como em outras experiências de catástrofe na história, a exposição de necessidades flagrantes de reformas pode reforçar sua busca após a crise. Exemplos óbvios disso, no caso brasileiro, são a necessidade de incorporar trabalhadores informais “invisíveis” ao arcabouço de proteção social no país, assim como a premência de integração das favelas. Por outro lado, há sempre o risco de que fragilidades institucionais subjacentes sejam acentuadas pela situação de crise.
No Brasil, ainda vivenciando a subida na curva pandêmica, está difícil avaliar se o pacote de medidas emergenciais e temporárias adotado nos aproximará do U ou do L. Até porque, dado o âmbito global da crise, dependeremos também de como se der a evolução no resto do mundo.
Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp.
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A humanidade poderá sair dessa crise com mudanças de comportamento interessantes, como a maior digitalização das interações sociais, o retorno a valores como o conhecimento, a cultura e a arte. A diminuição da poluição tem sido louvada pelas populações das grandes cidades.
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