VALOR 14 maio 2021
Projeção de PIB melhor não tem ‘milagre’, afirma Canuto
Corrida contra a covid no país não tem sido vitoriosa e dita o ritmo de retomada, diz ex-diretor do FMI
Por Arícia Martins — De São Paulo
A melhora recente nas projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil neste ano foi pequena e não embute “nenhum milagre”, avalia Otaviano Canuto, ex-diretor-executivo do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). “Duvido que 4% possa ser um potencial de crescimento estável e não inflacionário para os próximos anos”, afirmou Canuto em entrevista ao Valor.
Hoje diretor do Center for Macroeconomics and Development, em Washington, Canuto observa que o ritmo de retomada em cada país está sendo definido pela disputa entre o vírus e as vacinas. E o Brasil, por ora, faz parte do grupo em que a corrida contra a pandemia não tem sido tão vitoriosa, aponta ele, que também já foi secretário de Assuntos Internacionais no Ministério da Fazenda.
Do lado positivo, o novo ciclo de alta das commodities já engordou o saldo da balança comercial, mas, sozinho, não é suficiente para elevar o crescimento, destaca Canuto, que ainda vê a questão fiscal como principal desafio, ao lado da baixa produtividade. “O Brasil tem um problema estrutural, que é a combinação entre a anemia da produtividade e a obesidade do setor público.”
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: Como o sr. tem visto a retomada da economia global?
Otaviano Canuto: A retomada está refletindo a disputa entre o vírus e as vacinas. Onde o vírus estiver ganhando essa batalha, as pessoas vão continuar se retraindo em relação aos serviços intensivos em contato. A recuperação está vindo onde a vacina está avançando. Além disso, está dependendo das políticas macroeconômicas adotadas nos diversos países, em complemento às já tomadas no ano passado para mitigar a recessão da covid-19. Aqui nos EUA a recuperação vem forte, com a extensão da vacinação e a perspectiva do pacote fiscal do presidente Joe Biden, que se soma às medidas aprovadas antes de ele chegar. Por outro lado, onde a corrida contra o vírus não tem sido tão vitoriosa, o ritmo de recuperação é mais lento.
Valor: Esse é o caso do Brasil e de outros emergentes?
Canuto: Todos os países com menos acesso a vacinas estão sofrendo as consequências disso, com diferenças entre eles. No Brasil, a força da segunda onda da pandemia teve a ver com o ritmo de vacinação, que foi aquém do que poderia ter sido. Em termos de vacinas por milhão de habitantes, o Brasil está na posição 57. Não está entre os piores do mundo, mas caso tivéssemos adotado uma orientação como a do Chile, que abriu negociações com fornecedores potenciais já em 2020, poderíamos estar em situação mais tranquila. Ainda bem que tem pelo menos a Coronavac, senão poderia ser ainda pior. Mas tem países atrás do Brasil, como a Argentina.
Valor: Outro fator que pode afetar os emergentes é a “reflação” dos EUA. O CPI [índice de preços ao consumidor dos EUA] de abril ficou acima do previsto. Isso pode levar o Fed [Federal Reserve, o banco central americano], a subir os juros antes do esperado?
Canuto: Parte substancial desse repique inflacionário reflete fatores temporários. Há um ano, no auge do fundo do poço da pandemia, houve deflação de muitos preços, então é natural que quando há perspectiva de normalização, haja recomposição deles. E várias cadeias produtivas interrompidas durante a pandemia estão voltando a funcionar e enfrentam restrições de oferta, o que também vira um choque de preços. Esse é um choque temporário que tende a arrefecer na medida em que tenha normalização dessas cadeias. Como o regime de metas de inflação deixou de ser 2% como teto para ser uma média, isso dá margem de manobra para que a inflação ultrapasse levemente 2% por algum tempo sem que o Fed seja obrigado a apertar a política monetária.
Valor: No Brasil, há uma divisão no mercado sobre se o Banco Central vai ou não levar a Selic ao nível neutro já este ano, enquanto o BC segue sinalizando ajuste parcial. Qual a sua expectativa para o ciclo de alta dos juros?
Canuto: Pela ata da última reunião do Copom, eles vão manter um ajuste rápido, mas parcial. Já tivemos dois aumentos de 0,75 ponto na Selic, e o BC deu a entender que tem a intenção de dar mais um ajuste de 0,75 ponto. É uma velocidade razoavelmente elevada, mas eu não apostaria no juro real entrando em patamar positivo. Neste primeiro semestre a inflação está elevada, mas há uma aposta de que vai arrefecer na segunda metade do ano.
Valor: Mas as expectativas do mercado para a inflação de 2022 já estão um pouco acima da meta de 3,5% para o próximo ano…
Canuto: Foi um aumento pequeno. Por enquanto, a julgar pelo Focus, não parece que essa inflação do primeiro semestre contaminou a inflação esperada para o próximo ano. Claro que tem gente que prefere que a normalização seja feita mais abruptamente, e isso é perfeitamente compreensível. Mas enquanto não tivermos uma normalização na atividade no segundo semestre, que vai depender da extensão do programa de vacinação, acho que não há razão para que o Copom se torne mais agressivo. Claro que tem muita coisa em jogo. Os preços de commodities, por exemplo, estão surpreendendo para cima.
Valor: Esse novo ciclo de alta das commodities pode ser tão positivo para o Brasil como o anterior?
Canuto: Minha resposta é dúbia, porque não temos ideia de até onde isso vai. Ainda não sabemos se estamos no começo de um novo superciclo, ou se é mais uma recuperação normal de preços no âmbito do ciclo de negócios. A evolução das exportações este ano já está mostrando efeitos positivos, mas o ciclo de crescimento que tivemos na primeira década do novo milênio não foi fruto só disso. Foi combinação da evolução dos preços de commodities exportadas e da incorporação de trabalhadores no mercado formal, com aumento do emprego. A recuperação das commodities tende a ajudar, mas isso vai depender do que o resto da economia vai fazer.
Valor: Mas depois de resolvido o episódio do Orçamento, a percepção sobre o risco fiscal teve algum alívio.
Canuto: O cenário de abandono do teto foi retirado de cena. E no ano que vem, esse lado fiscal vai ser ajudado pela inflação mais alta do primeiro semestre de 2021, que vai servir de parâmetro de ajuste nominal dos gastos debaixo do teto. Mas os problemas estruturais ainda estarão ali: o encolhimento do espaço para gastos discricionários vai continuar. O Tesouro também está fugindo do problema dos juros mais altos recorrendo a um encurtamento do horizonte da dívida. Estamos ganhando tempo até enfrentar essa questão, convencendo os credores de que o cenário não é tão terrível.
Valor: Do lado da atividade, houve surpresa positiva nos últimos meses, o que tem levado alguns analistas a elevar projeções para o crescimento deste ano. O Brasil pode mostrar retomada mais forte?
Canuto: A segunda onda afetou negativamente o primeiro trimestre, mas abril já parece mostrar um cenário um pouco diferente e provavelmente não tão negativo. Mas as revisões para 2021 ainda são de margem pequena. A pandemia e o ritmo de contaminação são as variáveis centrais, e portanto a vacinação também. Não tem milagre. O crescimento deve ficar por volta de 4% este ano. Mas com um componente de recuperação do ano passado. E duvido que 4% possa ser um potencial de crescimento estável e não inflacionário para os próximos anos. Hoje o PIB potencial é algo como 2%, 2,5%.
Valor: Passada a pandemia, como elevar esse PIB potencial?
Canuto: Tenho usado uma analogia médica desde 2012, 2013, não é que estou entrando na moda. Mas digo que o Brasil tem um problema estrutural, que é a combinação entre a anemia da produtividade e a obesidade do setor público. E as duas se alimentam. Temos que gastar menos em emendas, em remuneração do setor público e reduzir benefícios fiscais. A agenda de reconfiguração do gasto público tem que estar na ordem do dia. Do lado da produtividade, precisamos melhorar a qualidade do ensino e o ambiente de negócios através de reformas.
Valor: A imagem do Brasil no exterior devido à condução da pandemia e da política ambiental está arranhada? E como isso pode afetara economia?
Canuto: Houve piora. Basta comparar a atividade que o mundo entende como mais adequada para um líder eleito, que é dar o bom exemplo, com a atitude irresponsável de promover aglomerações sem máscara do presidente. Já vi várias manchetes dizendo que o Brasil virou uma ameaça mundial, o que é um prejuízo enorme à nossa imagem. Em relação à política ambiental, as estatísticas mostram deterioração enorme do desflorestamento nos últimos anos, que não é explicada por queimadas decorrentes do aquecimento climático. É desmatamento ilegal, mesmo, com beneplácito do governo federal. Há um risco enorme disso ser usado contra o Brasil em um contexto internacional pós-pandemia, em que uma das cicatrizes inegáveis vai ser a mudança de postura dos países em relação à proteção comercial. Podemos ser alvo de políticas protecionistas usando a Amazônia como desculpa para estabelecer restrições comerciais.
Também nessa semana estive no UOL
Plano Biden é inspiração, mas Brasil copiá-lo é fantasia, diz economista… – Veja mais em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/05/12/seminario-uol-lideres-otavio-canuto-plano-biden-brasil.htm?cmpid=copiaecola
O economista e diretor do Center of Macroeconomics and Development, em Washington (EUA), Otaviano Canuto, afirma que o Brasil pode se inspirar no plano implementado pelo presidente dos EUA, Joe Biden, para ajudar a economia a se recuperar da pandemia da covid-19. Segundo ele, porém, é “uma fantasia” pensar que o Brasil possa copiar o chamado Plano Biden. O Brasil tem um ponto vulnerável no lado fiscal. A ideia de que você possa reproduzir a experiência norte-americana no Brasil me parece uma aventura extremamente arriscada, porque os juros sobem e você pode entrar em uma trajetória explosiva entre prêmio de risco, juros e dívida pública. Gosto da ideia do conteúdo do programa do B… – Veja mais em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/05/12/seminario-uol-lideres-otavio-canuto-plano-biden-brasil.htm?cmpid=copiaecola
E no: