FOLHA DE SÃO PAULO
Em todos os lugares onde pousou, o novo coronavírus mostrou um ritmo muito forte de contaminação. Como resultado, o número absoluto de pessoas necessitando de atendimento clínico tende a aumentar drasticamente em pouco tempo.
Um grande problema vem do fato de que, mesmo países com forte capacidade nos sistemas de saúde tendem a ter a estrutura de atendimento inundada por novos pacientes com coronavírus que precisam de cuidados críticos (como ventiladores mecânicos). A curva de infecções no tempo logo atinge o máximo da capacidade de assistência médica – algo difícil de mudar em um curto espaço de tempo –, o que leva a um pedágio alto em termos de mortes de pessoas infectadas.
Portanto, políticas para aplainar a curva pandêmica e ganhar tempo tornam-se essenciais, independentemente de reduzirem ou não o número absoluto de casos infectados. Mesmo que no final das contas o número total de infecções seja o mesmo com ou sem políticas de contenção do ritmo de infecções, vidas serão salvas se a curva for achatada.
Dois tipos principais de políticas para conter ou pelo menos retardar a disseminação do coronavírus têm sido aplicadas. Uma é identificar e colocar em quarentena as pessoas infectadas da população. Essa foi a abordagem seguida com sucesso em Singapura, Taiwan e Coreia do Sul.
Existem dois requisitos para que essa abordagem seja implementada com sucesso: deve haver capilaridade social no uso de tecnologia e de informações, além de capacidade do governo tanto para utilizá-las para rastrear e monitorar indivíduos como para aplicar testes generalizados na população. Esse não é o caso da maioria dos países.
O outro tipo de política de contenção é adotar o “distanciamento social”, com vários graus de amplitude e de firmeza pelo governo. Por distanciamento social entende-se minimizar o contato pessoa a pessoa: isso é feito por meio da proibição de viagens, do fechamento temporário de oficinas e escolas, bem como de recomendações ou ordens oficiais de “ficar em casa”.
Essa abordagem, chamada “horizontal”, inclui alguma demarcação de “atividades essenciais” a serem poupadas das restrições de mobilidade física. Pode ser usada em combinação com o foco seletivo, sempre que houver capacidade para fazer o último. O fato é que, com ela, mais vidas podem ser salvas.
A curva pandêmica gera uma curva de recessão que também precisa ser achatada. As epidemias de coronavírus levam a choques negativos de demanda e de oferta na economia. Embora a demanda e a oferta sofram um impacto negativo mesmo no cenário de “não fazer nada”, os impactos tendem a ser exacerbados pelas políticas de distanciamento social.
Não obstante a curta duração do coronavírus, sua natureza disruptiva pode deixar cicatrizes, impedindo o retorno ao ponto onde a economia estava antes do choque. Empresas solventes, mas subitamente ilíquidas, podem falir; o desemprego aumenta em ritmo acelerado; demanda e receita para pequenas empresas desaparecem da noite para o dia…
É aí que um papel extraordinário do Estado como seguradora de catástrofes vem à tona. O setor público precisa fornecer apoio fiscal – recursos adicionais para os sistemas de saúde, transferências de renda para pessoas afetadas pela crise, isenção de impostos – e crédito disponível em condições favoráveis para empresas vulneráveis.
Essas medidas emergenciais e temporárias, em última instância bancadas pelo setor público, visam minimizar as consequências desastrosas da parada súbita temporária, mas impactante, sobre a economia e, em particular, os segmentos mais vulneráveis da população. Não por acaso, pelo mundo afora, governos têm anunciado políticas dramáticas de transferência de renda para trabalhadores informais, linhas de crédito especiais para segmentos de empresas, medidas de desoneração de encargos tributários e assim por diante.
Agora: existe troca entre salvar vidas por políticas de contenção e perdas de produção como consequência de tais políticas? Poderíamos adotar uma política de “não fazer nada” para minimizar as perturbações no funcionamento do sistema econômico?
Esse é um falso dilema. Um estudo acerca da experiência histórica com a pandemia de influenza de 1918, realizado por dois economistas do Federal Reserve e um professor do MIT (Correia et alli, 2020), mostrou que cidades onde políticas como o distanciamento social ocorreram mais cedo e de forma mais agressiva não tiveram um desempenho economicamente pior. Na verdade, essas cidades cresceram mais rapidamente após o término da pandemia.
Essas descobertas sugerem que políticas como aquelas “não apenas reduziram a mortalidade, mas também mitigaram as consequências econômicas adversas de uma pandemia”, nas palavras dos autores. Não se pode presumir que o estrago causado pela dinâmica da pandemia em um cenário de “não fazer nada” seria economicamente mais forte do que aquele com políticas de contenção.
Políticas como “ficar em casa” podem ser desconfortáveis, mas a alternativa não seria melhor.
Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp.
COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO
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