Por que bancos centrais devem se preocupar com a mudança climática, escreve Otaviano Canuto

 

Poder 360

OTAVIANO CANUTO
15.fev.2020 (sábado) – 5h50

O “CISNE NEGRO” TEM AGORA A COMPANHIA DO “CISNE VERDE”

Embora com diferentes graus de urgência e cobertura, bancos centrais vêm se propondo a considerar a questão como relevante para suas funções. Sem a participação do Federal Reserve dos EUA, 50 bancos centrais criaram em dezembro de 2017 uma rede para consultas mútuas sobre práticas de gestão de riscos ambientais e associados à mudança climática. Christine Lagarde, presidente do CBE (Banco Central Europeu), vem repetindo que políticas quanto à mudança climática serão uma “missão crucial” de seu mandato.

Pode-se apontar 3 justificativas possíveis para o envolvimento de bancos centrais no tema. A primeira –e mais óbvia– é o conjunto de riscos à estabilidade financeira potencialmente trazidos por desastres naturais. Este é o caso em particular de setores financeiros como bancos e companhias de seguros.

Segundo o Instituto de Finanças Internacionais (IIF, sigla em inglês), em relatório de 6 de junho do ano passado, mais de US$ 2,5 trilhões de ativos financeiros globais estavam em 2016 sujeitos a algum tipo de risco derivado de impactos da mudança climática. Como observou o primeiro relatório da rede de bancos centrais mencionada acima:

“Riscos relacionados ao clima são uma fonte de riscos financeiros e, portanto, encaixam-se perfeitamente no mandato de bancos centrais e supervisores de assegurar que o sistema financeiro não esteja vulnerável a tais riscos.”

Cabe distinguir dois tipos de riscos financeiros nesse contexto. Por um lado, há os “riscos físicos”, ou seja, as ameaças sobre o valor de ativos decorrentes não só de choques climáticos – os mais intensos e frequentes eventos climáticos extremos como enchentes, secas, furacões e outros tipos de tempestades– como também das tendências de elevação no nível dos mares, elevação de temperaturas e derretimento de calotas polares. Tais riscos físicos incluem não apenas as perdas potenciais diretas sobre ativos, como também seu impacto indireto sobre cadeias globais de valor e os custos de reparação.

Há também os riscos financeiros decorrentes das estratégias de mitigação da mudança climática porventura implementadas, chamados de “riscos de transição”. O trânsito a uma “economia de baixo carbono” mudará a alocação de recursos, as tecnologias em uso e a construção de infraestruturas. Por conseguinte, as estratégias adotadas terão consequências sobre o valor de ativos de empresas. Basta pensar, por exemplo, nos efeitos de “taxas sobre carbono” ou de opções de aceleração na transição para energias renováveis sobre recursos e atividades que seriam diretamente impactadas.

De passagem, cabe notar também que tais riscos associados à mudança climática também trazem “oportunidades”. Segundo estimativas de modelos de crescimento indicadas pelo IIF, uma transição para uma economia de baixo carbono poderá eliminar o dano climático equivalente a cerca de quase 2% do PIB do conjunto de países do G20 em 2050. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, em inglês) sugere que o que chama de “transição decisiva” poderia elevar o PIB, no longo prazo, em até 2,8% na média dos países do G20.

Para além de riscos e da estabilidade nas finanças, uma segunda razão para atenção de bancos centrais sobre mudança climática diz respeito ao impacto desta sobre crescimento econômico e inflação e, portanto, sobre suas decisões de política monetária. O Federal Reserve oficialmente considera a mudança climática um risco macroeconômico ainda negligenciável no médio prazo. Por sua vez, Madame Lagarde, do BCE, aludiu à possibilidade de incluir impactos da mudança climática na economia da zona do euro nos modelos e nas avaliações da instituição.

A terceira área de potencial envolvimento de bancos centrais na questão da mudança climática é menos consensual. Diz respeito a usarem seus balanços para favorecer sua mitigação. Por exemplo, dar tratamento especial a “títulos verdes” em seus programas de aquisição de ativos, fazendo do “afrouxamento quantitativo (QE, em inglês)” um “verdejamento quantitativo”. Apesar da oposição de membros do BCE – como o presidente do Bundesbank, banco central alemão – Christine Lagarde tem se referido a um papel do BCE no apoio à estratégia econômica da União Europeia, a qual inclui a necessidade de mitigar a mudança climática.

Independentemente da extensão com que os bancos centrais individuais incorporem as três motivações de interesse, não podem mais ignorar a questão da mudança climática. Como observado no livro “O Cisne Verde”, recém publicado pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS, em inglês):

“… as mudanças climáticas são uma fonte de instabilidade financeira (e de preços): é provável que gerem riscos físicos relacionados a danos climáticos e riscos de transição derivados de estratégias de mitigação potencialmente desordenadas. Portanto, as mudanças climáticas são de competência dos bancos centrais, reguladores e supervisores, responsáveis ​​por monitorar e manter a estabilidade financeira.”

Aliás, o livro publicado pelo BIS se refere a um “cisne verde” como uma adaptação do conceito de “cisne negro”, popularizado nas finanças por Nassim Taleb. “Cisnes negros” se referem a eventos raros e inesperados, de baixa probabilidade, mas de grande impacto e só plenamente compreensíveis após acontecerem. Por sua própria natureza, não encaixam na análise de condições normais e conhecidas. “Mudanças climáticas podem levar a eventos do tipo ‘cisne verde’ e constituir-se na causa da próxima crise financeira sistêmica”, observam os autores do livro.

Otaviano Canuto, 64 anos, é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor-executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no ministério da fazenda e professor da USP e da Unicamp. Escreve para o Poder360 mensalmente.

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This Post Has 2 Comments

  1. Marina de Oliveira

    Sempre acreditei na implementação do Fundo de Investimento verde e Sustentavel por parte e iniciativa das pessoas ,desde que isso realmente nao seja moeda de troca .Considerando que no Brasil existe mais de 5000 leis no Direito tributario ,imagine em um pais em que nao se teve ate hoje reforna agraria e ainda persiste a desigualdade entre as pessoas .
    O desenvolvimento economico na minha opiniao deve ser de forma sustentavel e equilibrada ,caso contrario ,caminharemos ao msis absoluto colapso .
    Os Bancos Centrais fazem parte de um Sistema Financeiro dependente de grandes bancos nos quais os mesmos evitam efeito cascata .
    Reforma tributaria ,versus Reforma agraria sao coisas distintas .
    Eu sinceramente acho muito pouco provavel salvar o mundo ,mas se eu e todos fizer a cada um a nossa parte ,quem sabe quando tiver meus filhos ,nao va enterra los e sim ensina los sobre a sustentabilidade deixada para os meus netos .Ser simples é dificil eu sei ,muitas vezes nao como carne ,ando de bicicleta ;mas é o meu jeito de ajudar o mundo com a sustentabilidade .
    Lutamos pelo desenvolvimento economico e mau temos o bolsa familia , agora falar de bolsa familia como desenvolvimebto economico .Quem sabe ,afinal somente 1/4 da populaçao vive dignamente de forma um pouco mais alem da pobreza e da fome .

  2. Ephim Shluger

    Com os Bancos Centrais se posicionando, o rumo do desenvolvimento sustentável certamente ganha adesão de players de peso. As instituições multilaterais, parte do sistema das Nações Unidas, há muito que propõem adoção de parâmetros para um crescimento econômico com qualidade ambiental e social. Vale dizer passar da simples métrica do crescimento do PIB para um desenvolvimento economico de qualidade e que seja bom para o planeta. Para tal foram adotados os Indicadores do milênio – que não tiveram impacto esperado, foi relançado em novo formato com as Metas de Desenvolvimento Sustentável (SDG). Somos signatários deste e de outros acordos internacionais —como o do Clima de Paris, embora o progresso em sua implementação, continua encontrando obstáculos aparentemente intransponíveis no dia-a-dia, vale dizer no âmbito de governança local. Com a estimativa de perdas reais para a economia global decorrentes dos impactos da emergencia climáticas, claro teremos que correr, e muito, para desenhar a estratégia factível, para por em uso os critérios e indicadores de adaptação ao “novo normal” – do nível global ao local. Primeiro, tem que haver apetite politico para tal. Segundo, a pergunta que não se cala: quem estaria capitaneando e coordenando esta iniciativa no país, para que tenhamos resultados visíveis e palpaveis.

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