Poder 360, 29 de junho, 2024
Trajetória de descarbonização poderá ser negativamente afetada pela política em países ricos, diz Otaviano Canuto
Segundo o “Serviço de Mudança Climática Copernicus” da União Europeia, maio desse ano teve temperaturas médias na superfície terrestre mais altas do que qualquer outro maio já registrado, sendo o 12º mês consecutivo em que tal tipo de recorde foi quebrado.
Maio registrou uma temperatura 1,52°C acima da média pré-industrial, enquanto as temperaturas nos últimos doze meses têm estado, em média, 1,63°C acima [veja Figura 1 no anexo]. As temperaturas globais da superfície do mar registraram um recorde nos últimos 14 meses.
Embora uma sequência semelhante de temperaturas mensais recordes tenha sido observada em 2015-16, a extensão pela qual os recordes anteriores foram superados é maior desta vez. Amigos climatologistas me dizem serem raríssimos seus colegas que duvidam que os números recentes reflitam uma tendência subjacente de aumento das temperaturas.
Pense no evento climático extremo das inundações no Rio Grande do Sul em abril e maio. Um estudo da World Weather Attribution já mostrou que a probabilidade de ocorrência do fenômeno foi mais que duplicada pela mudança climática, em combinação com El Niño, com sua intensidade aumentando entre 6% e 9%.
Não por acaso, cientistas apontam as ações tomadas nesta década como críticas caso se queira de fato alcançar o objetivo do acordo climático de Paris de 2015, qual seja, limitar a mudança climática causada pelo homem abaixo de 2 graus centígrados, com o sonho até de não ultrapassar 1,5 grau.
Infelizmente, o primeiro “Balanço Global” apresentado na COP28, em Dubai no ano passado, concluiu que o mundo não está no caminho certo para atingir esses objetivos. Há dúvidas quanto a se as “contribuições nacionalmente determinadas” (NDCs) entregarão reduções suficientes nas emissões de gases de efeito estufa a nível global para limitar as mudanças climáticas, bem como se os países individualmente tomarão as ações necessárias para cumprir seus planos individuais [veja Figura 2 no anexo].
Há também dúvidas sobre se os fluxos financeiros dos países desenvolvidos para as economias em desenvolvimento, prometidos pelos primeiros para permitir que estas últimas façam a transição para fontes de energia e produção verdes, bem como mitiguem os efeitos climáticos já em curso, serão grandes o suficiente. Para muitos países em desenvolvimento, as questões de financiamento versus a escala da ambição climática estão inextricavelmente ligadas.
A COP30, em 2025 em Belém, Brasil, deverá trazer um novo conjunto completo de NDCs cobrindo pelo menos o período até 2035. Não está programado nada nesse sentido na COP29 em novembro desse ano, em Baku, Azerbaijão. A prova de que as COPs estão correspondendo a um compromisso efetivo dos países com a limitação da mudança climática será vê-los entregar uma redução (bem) mais rápida das emissões, bem como assegurar mais recursos para os países em desenvolvimento.
Infelizmente, a evolução da política no passado recente trouxe sinais de riscos para o esforço de limitar a mudança climática, a julgar pela possibilidade de reações contrárias:
Por exemplo, a subida no apoio popular à direita política na Europa. Embora a União Europeia (EU) há muito tenha se posicionado como líder nos esforços contra a mudança climática, tem se tornado cada vez mais comum que seus partidos de direita questionem a velocidade e a necessidade de sua política ambiental. Isso já levou à diluição de partes do pacote “Green Deal” da UE.
Não se trata de algo uniforme na região, caso se leve em conta, por exemplo, que no Reino Unido pesquisas estejam sugerindo que o Partido Conservador, que diluiu compromissos climáticos, deverá perder eleições para o Partido Trabalhista mais comprometido com a meta da neutralidade de carbono.
Por outro lado, os ganhos para a direita política nas recentes eleições parlamentares da UE, assim como provavelmente na eleição francesa, com base nas pesquisas atuais, o consenso anterior em torno da política ambiental está sendo desafiado.
Nos Estados Unidos, a possibilidade da vitória de Trump também não traz bons augúrios para a agenda de redução de emissões de carbono. Em seu mandato anterior, Trump retirou-se do Acordo de Paris, um movimento revertido por seu sucessor Biden.
O ceticismo de Trump quanto à mudança climática apareceu durante seu primeiro mandato, mas de qualquer modo o candidato tem feito referências a sua divergência quanto a atitudes de Democratas acerca do comprometimento dos Estados Unidos quanto à política climática.
Tensões comerciais sobre veículos elétricos (EVs) também não ajudam. A China priorizou indústrias associadas à transição verde como parte de sua política estratégica plurianual, como meio de enfrentar seus desafios estruturais de crescimento e, verdade seja dita, assumiu posições de liderança de mercado em vários setores relacionados, incluindo baterias e veículos elétricos (EVs).
A UE recentemente anunciou tarifas sobre as importações de EVs de fabricantes chineses com o argumento de que eles se beneficiaram de apoio estatal injusto em comparação com os produtores da própria União.
Nos Estados Unidos, o Ato de Redução da Inflação tem subsídios e incentivos para a transição verde primordialmente vinculados ao valor agregado dentro dos EUA. Objetivos de garantir que empregos e atividades dentro das próprias fronteiras sejam priorizados à medida que ocorra a transição verde tornam esta mais custosa e provavelmente menos eficaz.
Em resumo: a evidência de que os danos da mudança climática já chegaram e vão aumentar é insofismável. O cenário só não será cada vez pior se conseguirmos reduzir as emissões de carbono, o que dependerá de países estabelecerem e cumprirem NDCs condizentes. A evolução recente da política em países com peso nessa trajetória não parece alvissareira. Resta-nos torcer para que essa evolução não traga consequências maiores para nossa trajetória na “estrada da descarbonização”.
ANEXO
Figura 1: Aumento da temperatura da superfície global em relação às temperaturas pré-era industrial
Fonte: Malcolm Barr (2024), The pushback on policy to limit climate change, in JPMorgan, Global Data Watch, June 21 (com dados do Copernicus Climate Change Service).
Figura 2: Cenários de emissões de CO2 ao longo do tempo, 2000-2050
Na sequência da Conferência sobre Alterações Climáticas COP26, realizada em Glasgow em 2021, a Agência Internacional de Energia atualizou seus cenários de emissões de CO2 em seu relatório sobre Perspectivas Energéticas Mundiais, tendo em conta os compromissos então assumidos pelos países. Apesar de um declínio mais acentuado nas emissões, o mundo ainda está longe de alcançar o sonhado cenário de emissões líquidas zero até 2050.
Fonte: IEA (2021)
Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.