Os prós e contras da CPMF, aposta do governo contra o deficit em 2016
Em 2015, o governo Dilma Rousseff cortou gastos e subiu impostos, mas as medidas não foram suficientes para equilibrar as contas públicas. Isso porque a retração da economia provocou queda na arrecadação, enquanto despesas obrigatórias, como pagamento de aposentadorias, continuaram crescendo fortemente.
O resultado é que a administração federal acumulou um rombo recorde em 2015, até novembro, de R$ 54 bilhões – e o saldo negativo pode ter chegado a até R$ 119 bilhões em dezembro devido ao pagamento de repasses atrasados a bancos, as chamadas pedaladas fiscais.
Como parte das medidas para reverter esse quadro, o governo está apostando pesadamente no retorno da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), que vigorou no país entre 1997 e 2007 e era conhecido como “imposto do cheque”.
A ideia é recriar temporariamente a alíquota de 0,38% sobre transações bancárias, cuja arrecadação seria dividida com Estados e municípios, que também estão enfrentando dificuldade financeira. Estima-se que a CPMF poderia trazer aos cofres públicos cerca de R$ 70 bilhões ao longo de um ano. O governo tem esperança de aprovar o retorno no imposto até maio, o que permitiria recomeçar a cobrança em setembro.
A proposta, no entanto, é bastante impopular, principalmente entre empresários, e por isso o Planalto deve enfrentar muita dificuldade para aprová-la no Congresso. Pesquisas encomendadas pelo setor privado (Fiesp e CNT) indicam que mais de 70% da população é contra a volta do imposto. Apesar disso, há economistas que consideram sua recriação necessária nesse momento e veem vantagens na CPMF em comparação com outros formas de arrecadação tributária.
Não à toa, “o que é CPMF?” foi a pergunta mais buscada no Google em 2015. A BBC Brasil ouviu cinco economistas especializados em contas públicas para explicar para você quais os pontos positivos e negativos desse tributo. Confira abaixo.
Vantagens
Economistas que defendem a retomada da CPMF veem três vantagens principais: 1) é um imposto que tem uma alíquota baixa, mas, como incide sobre um número grande de operações, gera uma resposta rápida em termos de arrecadação; 2) é fácil de cobrar e pagar, mas difícil de sonegar; 3) seu impacto na inflação tende a ser baixo em comparação com outros tributos que incidem diretamente sobre produtos, como por exemplo a Cide (taxa cobrada sobre gasolina e diesel).
“A CPMF foi considerada, entre todas as alternativas de tributos, o caminho que traria menores distorções na economia e menor impacto inflacionário. Esse é o imposto mais distribuído, incidindo de maneira equitativa entre todos os setores da economia”, argumentou o então ministro da Fazenda Joaquim Levy, em agosto. “O imposto equivale a dois milésimos de uma entrada de cinema paga em cartão de crédito”, exemplificou.
Um dos principais entusiastas da taxação das transações financeiras é o economista Marcos Cintra, vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A CPMF se revelou um bom tributo. Mostrou excelente produtividade quando comparada sua baixa alíquota com a arrecadação gerada, seu custo administrativo para o governo e para as empresas é muito baixo quando comparado com os tributos tradicionais e foi eficiente no combate à sonegação”, argumenta.
Idealmente, ele defende a adoção de uma CPMF definitiva, com alíquota mais alta, para substituição de todos os demais tributos. A princípio, Cintra considera ruim recriar um imposto sem eliminar outros, mas diz que, diante da grave situação de desequilíbrio fiscal, não há alternativa no momento.
“O governo está de mãos atadas”, concorda o economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.
Para Otaviano Canuto – diretor executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional (FMI) – a escolha do governo pela CPMF decorre da necessidade de “recuperar a arrecadação no tempo mais rápido possível”.
“Houve um esforço enorme de redução nos gastos (em 2015), no entanto a arrecadação caiu num ritmo ainda mais forte. Não se trata de elevação da carga tributária, mas recuperação da carga tributária”, defende.
Desvantagens
Para os críticos da CPMF, a grande desvantagem do imposto é que ele é regressivo, ou seja, penaliza mais as classes mais baixas. Isso ocorre porque quem mais faz transações financeiras são as empresas – e elas tendem a repassar esse custo para o preço final dos produtos.
As classes mais pobres têm pouco espaço para poupar e, em geral, gastam tudo que ganham. Por isso, impostos indiretos, que incidem sobre produção e consumo, acabam pesando proporcionalmente mais sobre os mais pobres. Enquanto impostos diretos sobre renda e propriedade (IR, IPTU e IPVA, por exemplo) atingem mais os grupos mais abastados.
Atualmente o sistema tributário brasileiro já é predominantemente regressivo, e alguns economistas defendem que o melhor é substituir impostos existentes por taxação maior sobre a renda dos mais ricos.
“Qualquer imposto indireto, com uma alíquota única, vai taxar proporcionalmente mais as famílias que mais consomem. E, quanto mais pobres, maior parcela de suas rendas gastam em consumo. A CPMF é um caso clássico de imposto regressivo”, afirma José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV.
Sérgio Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defende que uma alternativa melhor seria recriar o imposto sobre lucros e dividendos que empresas distribuem para seus donos e acionistas. Uma alíquota de 15% poderia gerar uma receita de mais de R$ 43 bilhões ao ano.
O imposto deixou de ser cobrado em 1995 sob a justificativa de que as empresas já pagam imposto quando auferem seus ganhos, antes de distribuí-los. O problema, argumenta Gobetti, é que isso tornou isenta de tributação boa parte da renda das pessoas mais ricas.
“A melhor alternativa de ajuste fiscal seria, sem sombra de dúvida, a retomada da tributação de dividendos, não apenas pelo que geraria de ganho de arrecadação, mas também pelo que não geraria de efeito negativo na economia”, defende.
“Como os dividendos estão concentrados no topo da pirâmide, sua tributação tende a ter menores impactos sobre o ritmo de atividade econômica”, acrescenta.
Segundo um levantamento realizado por Gobetti e Rodrigo Orair, também do Ipea, 19 dos 34 países da OCDE (organização que reúne países desenvolvidos e alguns emergentes) elevaram a tributação sobre dividendos entre 2008 e 2015. Entre eles estão Reino Unido, Estados Unidos, Espanha, Portugal, Israel, Islândia, Irlanda, Japão, Coreia, França, Bélgica, Canadá e Austrália, exemplifica.
Urgência x reformas
Apesar das divergências, economistas concordam em um ponto: a CPMF não é uma solução definitiva para o problema fiscal e é necessário implantar reformas que reduzam o ritmo de crescimento do deficit ocasionado por despesas obrigatórias – como as aposentadorias.
Mansueto Almeida publicou há pouco tempo em seu blog que a despesa primária (sem incluir pagamento de juros da dívida) do governo cresceu R$ 512 bilhões entre 1991 e 2014. Desse total, continua, quase 80% é decorrente da expansão de programas de transferência de renda como seguro-desemprego, abono salarial, Bolsa Família, INSS e aposentadorias de servidores públicos.
Segundo reportagem recente do jornal Folha de S.Paulo, dados do TCU (Tribunal de Contas de União) mostram que, em 2016, a soma dos déficits do INSS e da previdência dos servidores federais poderá beirar R$ 200 bilhões, valor que equivale a cerca de 3% do PIB. Estima-se que essa proporção possa dobrar até 2050, chegando a 6% do PIB.
O novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, já anunciou que umas das suas prioridades é a aprovação de uma reforma da Previdência que eleve as idades de aposentadoria no país. A proposta é impopular e tende a sofrer muita resistência para ser aprovada no Congresso.