Retorno do crescimento chinês, estoques baixos e investimentos reduzidos sugerem tendência de alta, diz Otaviano Canuto
Poder 360, 28 janeiro 2023
Já recorremos aqui ao papagaio para prever preços de commodities. Afinal, como dizia o livro-texto de introdução à economia do prêmio Nobel de economia Paul Samuelson que serviu a várias gerações de estudantes, inclusive a minha: “é fácil ensinar economia a um papagaio. Bastam duas palavras: oferta e demanda”. Esses dois fatores sugerem 2023 como um ano de subida tendencial de preços.
O ano passado foi marcado por choques e volatilidade de preços de commodities, com dois momentos distintos. Depois da subida acentuada no primeiro semestre, por conta da invasão da Ucrânia pela Rússia, as elevações de taxas de juros e a desaceleração da demanda, em escala global, levaram a queda de preços na segunda metade do ano.
Em 2023, ambos os lados da demanda e da oferta apontam para pressões de alta em boa parte do conjunto. Na demanda, os EUA, a Europa, Japão e outros estão em desaceleração econômica, com recessão ou não. Por outro lado, depois da suspensão da política de “Covid zero” na China, o PIB do país deverá crescer algo entre 4,5% e 5%, segundo projeções de analistas e instituições multilaterais, depois do aumento de 3% do PIB no ano passado. À medida em que bancos centrais se aproximem de picos em suas subidas de taxas básicas de juros, os efeitos destas em termos de volatilidade deverão refluir.
Por seu turno, no lado da oferta, os baixos níveis de estoques e a carência de investimentos no passado recente restringirão a capacidade de resposta. Os limites de falta de oferta são visíveis em quase todos os segmentos, com estoques em níveis operacionais em situação crítica e/ou capacidade de produção usada ao limite.
Em um relatório recente, analistas de Goldman Sachs sugeriram que commodities, como classe de ativos, deverá oferecer retornos superiores aos dos demais tipos de ativos este ano. Segundo eles, será o terceiro ano consecutivo em que isso acontece. Projetam retornos no índice de preços de commodities S&P GSCI Commodity Index em torno de 9,9% em três meses, 17,3% em seis meses e 31,2% em um ano.
Impressiona a queda global nos investimentos em capital fixo, em valores reais em dólar, nos ramos de cobre e de gás e petróleo a partir de 2015, particularmente de 2020 para cá, a despeito da subida de preços. No caso de gás e petróleo certamente há um reflexo de sua queda prospectiva de demanda com a transição energética, enquanto o cobre tem diante de si uma demanda crescendo em ritmo galopante. Petróleo bruto, produtos petrolíferos refinados, GNL e soja devem ser os principais beneficiários da demanda chinesa reaquecida, disse Goldman Sachs.
Em seu relatório de projeção para commodities recém-divulgado, a EIU (Economist Intelligence Unit) antevê preços de petróleo e gás natural permanecendo elevados em níveis próximos ou acima dos atuais. A produção da OPEP (incluindo a Rússia) deverá cair cerca de 3 milhões de barris/dia de seu pico recente no final de 2022.
Cabe observar, em 2023, quão coesa permanecerá a OPEP em seu compromisso de reduzir cotas de produção diante da pressão dos países ocidentais. A parcela do mercado de petróleo coberta pela OPEP declinou de 40% em meados de 2016 para abaixo de 35% no ano passado. De qualquer modo, apesar dos cortes de produção por ela acordados, a capacidade ociosa de produção em seu conjunto permanece limitada.
No caso de metais e minerais – cobre, alumínio, minério de ferro e outros – a tendência é de alta, beneficiando-se da demanda chinesa. Também em relatório recente, o BTG Pactual destacou quão baixos estão os estoques globais de alumínio, bem como que, por exemplo, a produção e exportação de minério de ferro brasileiro permanece em patamares muito aquém de seu potencial. No caso do níquel, cuja demanda tende a crescer exponencialmente com a difusão de carros elétricos, o BTG Pactual mostra como o uso desses veículos tem se expandido na China.
No que a EIU denomina de “commodities duras” (fibras, metais básicos, borracha natural), uma elevação de preços em 2023 é prevista, recuperando parte da queda do ano passado.
E quanto aos fertilizantes? Conforme o time de commodities do Banco Mundial, seus preços diminuíram em relação aos picos do início de 2022, mas permanecem em níveis historicamente elevados. A redução dos preços na segunda metade do ano passado refletiu em parte a demanda enfraquecida, já que os agricultores reduziram as aplicações de fertilizantes devido a problemas de acesso e disponibilidade. A indústria de fertilizantes também foi afetada por questões do lado da oferta, incluindo a crise de produção na Europa, interrupções devido a sanções à Rússia e à Bielo-Rússia e restrições à exportação na China.
Os preços globais de alimentos e das correspondentes commodities devem permanecer altos, conforme realçado em relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) do mês passado. Desde dezembro, os preços agrícolas, de cereais e de exportação permaneceram relativamente estáveis. Os preços do milho e do arroz estão 8% e 13% mais altos, respectivamente, do que em janeiro de 2022, e os preços do trigo 2% mais baixos. Por outro lado, a continuidade da guerra na Ucrânia, os custos de energia e eventos climáticos devem mantê-los pressionados, apesar dos aumentos de taxas de juros no segundo semestre de 2022 terem aliviado pressões de alta.
Como diria o papagaio, a trajetória das condições de oferta e demanda nos distintos segmentos dos mercados de commodities indicam para onde vão seus preços. Tais condições se sobrepõem eventualmente aos efeitos que taxas de juros e mercados financeiros lhes trazem.
Nesse sentido, a evolução pode ser muito diferenciada. Para se ter uma ideia, em 2022, enquanto carvão, lítio e níquel ofereceram retornos respectivamente de 157%, 87% e 43%, quem apostou em magnésio e estanho perdeu, respectivamente, 54% e 37% do investimento. O melhor a fazer é imitar o papagaio. No que diz respeito a energia, metais e minerais, nesse momento ele deve estar olhando para cima.
Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University, professor afiliado na Universidade Politécnica Mohamed VI e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp
This Post Has 3 Comments
A meu ver não se aplica a celulose que deve continuar caindo
Com efeito, Luiz Cesar, a situacao nao eh uniforme entre commodities e, como ocorreu no ano passado, conforme menciono no texto, desempenhos de precos podem ser negativos em alguns casos. Mas isso sera raro entre metais e minerais, assim como em gas e petroleo.
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