Estou entre os economistas que consideram a ausência de uma política fiscal expansiva como fator fragilizador da recuperação pós-crise nas economias avançadas, especialmente na Zona do Euro. Ao mesmo tempo, tenho lançado dúvidas sobre as recentes tentativas de uso da política fiscal para sustentar o crescimento em alguns mercados emergentes. Dois pesos, duas medidas?
Estou entre os economistas que consideram a ausência de uma política fiscal expansiva como fator fragilizador da recuperação pós-crise nas economias avançadas, especialmente na Zona do Euro – veja aqui e aqui.
Ao mesmo tempo, tenho lançado dúvidas sobre as recentes tentativas de uso da política fiscal para sustentar o crescimento em alguns mercados emergentes – veja aqui e aqui no caso do Brasil.
Em um debate recente, perguntaram-me se não estaria usando “dois pesos e duas medidas”, assumindo uma posição anti-austeridade nas economias avançadas, ao mesmo tempo colocando-me em seu favor nos demais lugares.
O capítulo 3 do mais recente relatório Perspectivas Econômicas Globais do Banco Mundial (GEP) lança novas luzes sobre essa questão. Como um dos três grandes objetivos para a política fiscal, a estabilização macroeconómica pode ser ajudada com o manejo de políticas anticíclicas. No entanto, como abordado no relatório, duas condições prévias relacionadas devem estar presentes para que políticas fiscais expansivas dêem bom resultado:
Em primeiro lugar, deve haver espaço fiscal disponível suficiente. Por espaço fiscal designa-se quão longe o estímulo fiscal pode ir sem comprometer a solvência fiscal e a solidez do balanço patrimonial do setor público (tanto em termos de perfil de maturidade, quanto de dependência de credores não-residentes, que podem elevar riscos de rolagem ou de liquidez para a dívida soberana). Políticas que criem riscos para balanços do setor privado e, em sua decorrência, passivos fiscais contingentes também devem ser levadas em conta.
Em segundo lugar, a política fiscal deve ser eficaz no que diz respeito a elevar o nível de atividade econômica. Esta eficácia pode ser medida pelo “multiplicador fiscal”, ou seja, o aumento do produto resultante do aumento de uma unidade de moeda local no consumo do governo. O relatório do Banco destaca a forte evidência apontando como os tamanhos desses multiplicadores variam de acordo com as condições macroeconômicas e as características dos países.
Os momentos nos ciclos econômicos são importantes. O multiplicador fiscal tende a ser menor durante períodos de expansão do que em recessões, por causa da menor ociosidade de capacidade instalada e de trabalho, bem como pelo fato de que uma parcela provavelmente menor de famílias estará enfrentando restrições de liquidez.
A disponibilidade de espaço fiscal também é de suma importância e é um grande fator determinante da eficácia da política fiscal. Quando o espaço fiscal é estreito, o multiplicador tende a perder intensidade através de dois canais: as taxas de juros tendem a mover-se em conjunto para cima, como consequência da percepção de riscos de crédito soberano mais elevados; além disso, os agentes privados estarão mais propensos a antecipar futuros aumentos de impostos e, deste modo, não comprometer futuros orçamentos com gastos no presente.
O gráfico abaixo mostra estimativas apresentadas no relatório do Banco Mundial de multiplicadores fiscais em uma amostra de economias de mercado emergentes (EMEs) e economias de mercado na fronteira (FMEs) para diferentes níveis de espaço fiscal – medido como saldos nominais do stor público como porcentagem do PIB – em horizontes de um e dois anos. Uma conclusão se segue:
“Em suma, as evidências empíricas apresentadas aqui sugerem que o espaço fiscal mais amplo está associado com a política fiscal mais eficaz nos países em desenvolvimento. Este resultado é válido para os diferentes tipos de medidas de espaço fiscal usados em várias abordagens empíricas “.
Fonte: Perspectivas Econômicas Globais, janeiro de 2015 (p.131)
Nota: O espaço fiscal é apertado (amplo) quando os saldos nominais públicos são baixos (altos). As linhas sólidas representam a mediana, enquanto as áreas sombreadas em torno das linhas sólidas são as margens de confiança com 16-84 por cento.
Então, como tais observações sobre o multiplicador fiscal e sua variabilidade me ajudam a responder quando sou acusado de aplicar “dois pesos, duas medidas”? Diferenças nas fases cíclicas e espaços fiscais levam a diferentes níveis de eficácia da política fiscal!
Em 2012, argumentei aqui que a política fiscal tinha se tornado precocemente restritiva nos EUA e na zona do euro como um todo sem que seus espaços fiscais estivessem se defrontando com sinais de esgotamento, com tal virada ocorrendo por razões de outra natureza. Quanto aos países da Zona do Euro em situação de estresse, dadas suas condições em termos de desemprego e capacidade ociosa, a discussão acima nos ajuda a entender por que seus próprios multiplicadores fiscais – operando na direção restritiva – acabaram se revelando muito maiores do que muitos esperavam. Depreende-se, portanto, porque alegamos que a austeridade fiscal foi prescrevida em excesso no que diz respeito aos EUA e à Zona do Euro, tomada esta como uma única entidade econômica.
Compare isso com a situação em diversas economias emergentes e de fronteira. Como mostra o relatório do Banco, depois de construirem espaço fiscal durante os anos 2000, mediante redução de dívidas e eliminação de déficits fiscais, a maioria desses países foi capaz de usá-lo para estímulo fiscal anticíclico durante a Grande Recessão de 2008-09. Além disso, puderam tirar proveito das historicamente baixas taxas de juros globais em vigor naquele momento. Tal espaço fiscal ainda não foi posteriormente reconstruído e, levando-se em conta o fato de que a era das taxas de juro anormalmente baixas cedo ou tarde irá acabar, compreende-se o porque da cautela sugerida a esses países no que diz respeito a estenderem por tempo demais quaisquer políticas fiscais expansionistas implementadas depois da crise. O relatório aborda então arcabouços institucionais – regras fiscais, fundos de estabilização e arcabouços de gestão de despesas no médio prazo – que podem ajudar esses países a ampliar seu espaço fiscal e melhorar os resultados das políticas.
O Brasil pode ser visto como um caso em que tanto o momento cíclico quanto os limites de espaço fiscal estão atualmente restritivos. A segunda rodada de políticas fiscais expansionistas pós-crise, implementada em 2012-2014, não levantou os “espíritos animais” como se esperava. Isto deveu-se não só a motivos estruturais, mas também por causa da percepção de deterioração fiscal e da necessidade de aperto da política monetária a partir de 2013. Olhando para o futuro, o aperto fiscal que começa a ser implementado este ano também será necessário não só para restaurar a confiança fiscal, mas também para apoiar o processo de correção de alta nos preços monitorados e de desvalorização da taxa de câmbio, cujo impacto inflacionário levaria a taxas de juros muito mais elevadas na ausência de um suporte pela política fiscal – veja aqui.
Em suma, pode-se dizer que, em vez de “dois pesos e duas medidas”, a postura assimétrica que tenho defendido em relação a políticas fiscais expansionistas pode ser melhor vista como pesos e medidas que fazem sentido de acordo com os diferentes níveis de hiato do produto e de espaço fiscal em situações econômicas distintas.
Todas as opiniões aqui expressas são do próprio autor e não refletem necessariamente as do Banco Mundial.
Originalmente em HuffPost Brasil