Escola discute a dinâmica das sociedades democráticas contemporâneas
10 de abril de 2018
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A dinâmica das sociedades democráticas contemporâneas foi o fio condutor das palestras, apresentações e debates que compuseram a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Ciências Sociais, realizada de 23 a 29 de março no campus Butantã da Universidade de São Paulo (USP).
Promovido pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), coordenado por Maria Hermínia Brandão Tavares de Almeida e apoiado pela FAPESP, o curso desdobrou-se em quatro módulos: Globalização e desigualdades; Movimentos sociais e contestação política; Dilemas das democracias contemporâneas; Desigualdade e crítica em um mundo interdependente.
Migrações, narcotráfico, violência policial, corrupção, movimentos sociais e ativismo de minorias políticas foram alguns dos vários subtemas explorados por pesquisadores do país e do exterior.
As desigualdades entre grupos sociais constituem um fator crítico na dinâmica das sociedades democráticas contemporâneas. Uma das palestras que trataram do assunto foi Globalization and inequalities: what we have learned from international experience (“Globalização e desigualdades: o que aprendemos com a experiência internacional”), proferida por Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco Mundial.
Em contraposição a análises que apontam a atual globalização como fator de aumento das desigualdades, Canuto afirmou que a globalização ajudou a reduzir a pobreza em boa parte do mundo.
“Mais de 500 milhões de habitantes conseguiram ultrapassar a linha de pobreza ao longo dos últimos 30 anos por conta das oportunidades que a integração comercial lhes permitiu”, disse o pesquisador à Agência FAPESP, referindo-se especialmente, mas não apenas, ao que aconteceu e vem acontecendo na China.
“Mudanças tecnológicas ocorridas no fim dos anos 1980 possibilitaram a fragmentação dos processos produtivos. Possibilitaram que a produção manufatureira pudesse ter suas várias etapas deslocadas para diferentes partes do mundo. Regiões com mão de obra abundante, às voltas com atividades de subsistência, puderam reposicionar esses segmentos populacionais, alocando-os na produção de manufaturas, com melhoria muito expressiva em seu padrão de vida”, argumentou.
Canuto, porém, ressalvou que, ao mesmo tempo, ocorreu um aumento das desigualdades no interior dos países. E acrescentou: “Em cada país, as desigualdades são menores ou maiores dependendo da existência ou não de sistemas de proteção social, da existência ou não de políticas de tributação e de gastos públicos que compensem em parte as desigualdades geradas em outras áreas. Depende da natureza do processo político em cada um dos países – inclusive o Brasil, é claro”.
Segundo o diretor executivo do Banco Mundial, o deslocamento de atividades do centro para a periferia está agora na véspera de uma inflexão drástica.
“Os novos processos associados à chamada ‘indústria 4.0’, que combina automação, robótica, impressão em três dimensões e muitos outros aportes tecnológicos de fronteira, tenderão a trazer de volta aos países avançados parte das atividades industriais que haviam migrado para a periferia. Isso não quer dizer que tenha se tornado impossível para os países menos desenvolvidos terem um crescimento das exportações com base em mão de obra barata. Mas, certamente, repetir o ‘milagre coreano’ ou o ‘milagre chinês’ será muito mais difícil”, disse.
“O Brasil não completou o dever de casa da fase industrial anterior. Possui cadeias produtivas aparentemente mais integradas no próprio país, mas, por isso mesmo, produz mercadorias menos eficientes e mais caras. O país vai ter que combinar algum tipo de política inteligente de abertura comercial com melhoria no ambiente de negócios e melhoria na infraestrutura para chegar mais perto da ‘indústria 4.0’”, continuou.
E acrescentou: “Por outro lado, o Brasil, como o resto da América Latina, viveu um período muito positivo de redução das desigualdades salariais a partir do ano 2000. A América Latina foi a única região do mundo onde isso aconteceu, usufruindo dos benefícios temporários proporcionados pelos altos preços das commodities. Isso produziu um período de euforia, com o aumento da demanda por serviços, com o enriquecimento de quem era produtor de commodities agrícolas etc.”.
“Mas o cenário mudou, acabou o superciclo, e boa parte daquela transmissão para salários caiu”, enfatizou Canuto. “Agora, mais do que nunca, para podermos manter a toada em termos de melhoria de salários reais, de melhoria de qualidade de vida, terá que haver aumento de produtividade. Para isso, é preciso mais e melhor educação, melhor infraestrutura, melhorar o ambiente de negócios. E tem que haver concorrência, que vai possibilitar o predomínio de empresas mais eficientes, de empresas com maior capacidade de gerência, senão vamos ficar para trás na corrida que se instala lá fora, e vamos ficar ainda mais desiguais no âmbito interno.”
Canuto ressaltou que, se isso não foi feito no “tempo das vacas gordas”, mais difícil ainda será fazer no “tempo das vacas magras”. Mas citou, como fatores favoráveis, a ampla base de recursos naturais e a capacidade de incorporação tecnológica.
“Nossa agricultura tornou-se a melhor do mundo, não apenas devido à natureza favorável, mas também porque soubemos aliar com inteligência a tecnologia. No período em que teve que concorrer com outras empresas, fora e dentro, a Petrobras conseguiu estar no topo da competência em prospecção de petróleo em alto-mar. O mesmo se deu com a Embraer. O que todas essas realizações tiveram em comum? O fato de terem podido se abastecer dos insumos e dos equipamentos melhores que puderam encontrar lá fora, e combiná-los com a capacidade de agregar valor aqui dentro. Esse é um modelo que tem que ser seguido. O que foi exceção deveria ser a regra”, disse.