Poder 360, 01 de junho de 2024
O Brasil subaproveitou sua janela demográfica, diz Otaviano Canuto
O envelhecimento populacional é um traço de nossa época. Por um lado, as pessoas estão vivendo por mais tempo, com a queda em taxas de mortalidade nas várias faixas etárias desde o século passado. Expectativas de vida subiram na maior parte do planeta.
Na outra ponta da dinâmica demográfica, taxas de fecundidade – número de filhos por mulher – também desabaram nas últimas décadas. A partir de certo ponto tal queda na fecundidade tende a levar a um eventual declínio na população.
Em ritmos distintos, claro. Em recente trabalho com o economista Eduardo Andrade, dividimos o mundo em 3 grupos de países. Num deles, colocamos 52 países – 41 na África, 10 na Ásia e Papua Nova Guiné na Oceania – onde a taxa de fecundidade ainda é mais alta que 2,9 filhos por mulher. Projeções sugerem que as populações de todos estes países continuarão a crescer até ao final deste século.
Com algumas exceções – como Israel – são países de renda baixa ou média-baixa na classificação do Banco Mundial. Neles, até o final deste século, taxas de fecundidade ainda altas e uma esperança de vida prolongada dos cidadãos resultará num crescimento populacional contínuo.
Um segundo grupo é composto por 94 países onde a população já está em declínio, como Itália e Japão, ou com previsão de declínio em algum momento deste século – inclusive Brasil. Os membros deste grupo têm características variadas e estão localizados em todos os continentes, abrangendo todos os grupos de renda definidos pelo Banco Mundial.
64 desses países já têm taxas de fecundidade inferior a 2,1 filhos por mulher e não há registro de algum país que tenha revertido sistematicamente tal taxa uma vez abaixo deste limiar. A expectativa é que a mesma tendência ocorra com outros países deste grupo.
Imigração é um meio pelo qual a tendência de declínio pode ser parcialmente compensada. Com efeito, destacamos um terceiro grupo de 14 países onde a recepção de fluxos de imigrantes tende a ser suficiente para compensar o declínio da fecundidade e evitar o declínio da população. Exceto pela República Tcheca, têm atualmente uma percentagem da sua população atual composta por estrangeiros superior a 10%. Todos eles são de renda alta, incluindo Estados Unidos, Canadá, Austrália, países escandinavos e 3 do Oriente Médio.
Neles, os nascimentos não serão suficientes para compensar as mortes. Apesar disso, por serem países com poder de atração de imigrantes, suas populações poderão continuar a crescer durante algum tempo.
Fatores estruturais têm levado à queda na fecundidade, acompanhando a urbanização, a educação e a participação de mulheres no mercado de trabalho e a percepção de ser mais fácil garantir condições de investimento em menor número de filhos. São fatores tão poderosos que têm resistido a políticas públicas em todos os países cujos governos vêm tentando reverter o declínio na fecundidade.
O envelhecimento da população de um país traz 2 tipos de desafios econômicos. Um de natureza fiscal, que pode ser chamado de “armadilha fiscal geriátrica”. Dados os benefícios pré-definidos em regimes previdenciários, a conta com aposentadorias pagas tende a subir mais que as contribuições à medida em que cresce a proporção da população inativa em relação àquela em idade ativa pagante. Ajustes em idades mínimas de aposentadoria e nas proporções entre contribuições e benefícios vêm já se tornando um item inevitável de reformas, por mais impopulares que sejam. Gastos públicos com saúde também tendem a crescer como proporção do PIB.
Outro desafio é um de produtividade acompanhando o fim do “bônus demográfico”, ou seja, o aumento da proporção de pessoas ativas – supondo-se que sejam empregadas – na população total anos depois do declínio na fecundidade. Em algum momento posterior o “bônus” vira um “ônus” à medida em que cresça a população inativa como proporção da população total.
Esse “ônus” será mitigado na extensão em que a parcela da população ativa subindo na escada etária durante o “bônus” aumente sua produtividade, mediante capacitação técnica e outros fatores. Cabe observar que tal potencial aumento de produtividade independe da dinâmica demográfica, mas pode se constituir em um segundo “bônus” na extensão em que o país não desperdice a oportunidade para elevar níveis médios de produtividade. A diferença entre dividendo – ou passivo – demográfico, no caso, estará no aproveitamento – ou não – da janela de oportunidade para elevar a produtividade da população.
Há também quem sugira que a inventividade e a propensão a assumir riscos tendem a cair com a idade. Portanto, o envelhecimento da população reduziria o ritmo de inovações e de aprendizado. Um argumento contestado pelo demógrafo brasileiro José Eustáquio Diniz Alves, sugerindo a possibilidade de um “bônus demográfico” adicional por conta da experiência acumulada com o envelhecimento. De qualquer modo, Martin Wolf, do Financial Times, observou que, no lugar de uma demarcação de “vida útil” dos trabalhadores, com uma sequência de períodos de estudo, trabalho e aposentadoria, fará sentido que as pessoas misturem os três.
E o Brasil? Está envelhecendo em ritmo acelerado. Aqui no Poder 360 destacamos 7 anos atrás como a percentagem de sua população com mais de 65 anos estava aumentando a um ritmo acelerado em comparação com as experiências anteriores em outros países, tendendo a triplicar até 2050. Como apontado por José Eustáquio Diniz Alves: “a estrutura etária brasileira está em rápida transformação, com a diminuição do número de crianças, adolescentes e jovens, uma desaceleração do crescimento da população adulta em idade considerada ativa (15-59 anos) e uma aceleração do aumento da população idosa de 60 anos e mais de idade.”
A reforma da previdência de 2019 terá de ser seguida por outras. Em livro recém-lançado, Fabio Giambiagi e Paulo Tafner explicam porque se pode dizer que aquela reforma não terminou…
O “bônus demográfico” brasileiro teve início nos anos 70, quando se iniciou um período de aumento das proporções da população em idade ativa e da população ocupada na população total. Há controvérsia sobre se já terminou, dependendo de qual daquelas proporções se utilize, particularmente pelos que acham que um aumento sistemático na taxa de ocupação ainda possa trazer ganhos. O que nos parece inegável é que a janela demográfica das últimas décadas foi subutilizada, a julgar pela evolução da produtividade dos trabalhadores e da economia como um todo no período.
Para finalizar, um ponto sobre a imigração, que faz a diferença justificativa do terceiro grupo de países em Andrade e Canuto, acima citado. Os ganhos econômicos com a imigração – sem a qual, por exemplo, os EUA não teriam apresentado o desempenho extraordinário dos últimos 2 anos – se deparam atualmente com um sentimento contrário à imigração em muitos países ricos. Ajudando a extrema-direita europeia a crescer e se tornando possivelmente fator decisivo na eleição americana esse ano. A lógica econômica tem seus limites…
Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.