Poder 360, 31 agosto 2024
Harris e Trump têm propostas diferenciadas quanto a tarifas, tributos, energia e imigração
Em novembro, os eleitores dos EUA decidirão quem passará a controlar a Casa Branca, o Senado e a Câmara de Deputados. Kamala Harris, Donald Trump e seus partidos diferem significativamente em posições de políticas importantes que impactarão fortemente a economia do país e, portanto, a mundial. Vejamos aqui exemplos nos campos das políticas comercial, tributária, energética e de imigração.
Na política comercial, embora a administração democrata de Biden não tenha sido um bastião do comércio livre – deixando intactas as tarifas de Trump sobre as importações chinesas e recentemente aumentando ainda mais seletivamente as tarifas sobre alguns produtos chineses – uma segunda administração Trump provavelmente seria muito mais protecionista do que a administração Harris.
Entre outras medidas, Trump já mencionou duas possíveis: uma tarifa de 60% sobre todas as importações chinesas e uma tarifa universal de 10% sobre todas as importações. Enquanto a administração democrata perseguiu uma “redução de risco” na exposição à economia chinesa, alegando razões de segurança nacional, mediante políticas de proteção, bloqueio de acesso à tecnologia e subsídios à produção local em semicondutores e energia limpa, pode-se dizer que os anúncios de Trump apontam na direção da busca de um “descolamento ou dissociação” total entre as duas economias.
Como em todas as políticas mercantilistas, baseadas numa crença de que o adversário perde e a produção local ganha, há sempre uma subestimação dos impactos negativos sobre todos os lados, inclusive terceiros países. Em janeiro de 2020, abordamos aqui como as tarifas de Trump contra a China em seu governo diminuíram o emprego manufatureiro dos EUA, para não falar da agricultura perdida para o Brasil no mercado chinês. Para aqueles que acham que terceiros países podem se beneficiar como “conectores” entre EUA e China – como México, Vietnam, Malásia e outros têm feito desde aquela guerra – cumpre observar que um “descolamento” perseguido pela administração dos EUA não poderia deixar tais conexões intocadas.
Trump já comparou guerras comerciais a lutas de boxe. Cabe observar que a elevação do custo de vida para os cidadãos americanos como resultado das tarifas será parte do impacto sofrido pelo lado que golpeia no caso. Harris corretamente chamou a proposta tarifária de Trump de imposto sobre os consumidores dos EUA, o que sugere estar menos propensa a ir além da proteção seletiva.
No campo tributário, enquanto os cortes aprovados pelo Congresso em 2017 nas taxas de imposto de renda corporativa foram permanentes, os cortes nos impostos de renda individual e de herança expiram no final de 2025. Trump quer torná-los permanentes, para todos. Harris quer aumentar os impostos sobre aqueles que ganham mais de US$ 400.000 por ano. A campanha de Harris tem endossado várias propostas de Biden para tributar os ricos.
No caso tributário, importará muito a composição bipartidária do Congresso após as eleições. Ambos os candidatos prometem pagar por suas propostas de benefícios fiscais com alguma forma de aumento de impostos: sobre corporações e os ricos para Harris e sobre importações para Trump. Ninguém estima ser possível essa recomposição de arrecadação tributária via tarifas sobre importações!
Também na área energética há diferenças importantes, com consequências sobre a batalha entre combustíveis fósseis e renováveis. Independentemente do resultado da eleição, a demanda por eletricidade dos EUA aumentará devido, entre outros motivos, às necessidades vorazes de energia dos data centers, acompanhando a “inteligência artificial”.
Os republicanos, liderados por Trump, estão focados em combustíveis fósseis, prometendo “perfurar e perfurar”. Em contraste, os democratas estão prometendo escalar projetos solares, eólicos e geotérmicos. As eleições terão implicações para a transição energética no país e, portanto, no mundo.
Não por acaso, os preços dos metais industriais estão mudando com as probabilidades eleitorais estabelecidas em pesquisas de intenção de votos. Eles são sensíveis ao resultado da eleição, já que atender à demanda crescente de energia com energia solar e eólica trará mais pressão sobre a rede elétrica (cuja resposta será intensiva em cobre, alumínio e outros) do que com combustíveis fósseis.
O resultado das eleições também deverá ter um impacto significativo na imigração dos Estados Unidos. Harris e Trump 2.0 apontam para políticas de imigração bem diferentes.
Trump propõe ações como acabar com a cidadania por direito de nascimento para pessoas nascidas nos EUA cujos pais estejam ilegalmente no país. Também alude à deportação forçada de imigrantes ilegais – algo considerado difícil de implementar segundo juristas. Se Trump vencer, espere uma imigração mais fraca, como foi durante seu primeiro mandato em 2016-20.
Harris, por outro lado, endossou políticas como encontrar caminhos para a cidadania para imigrantes sem status legal, especialmente crianças. Ambos anunciam a intenção de restringir a imigração ilegal, mas Trump provavelmente faria isso de forma mais agressiva.
Cabe observar o papel que a imigração tem cumprido no mercado de trabalho dos Estados Unidos. Sem o retorno da imigração no período mais recente, os EUA não teriam apresentado o desempenho extraordinário em relação a seus pares avançados dos últimos 2 anos. O aumento da oferta de mão de obra e da demanda dos imigrantes por bens e serviços impulsionou o crescimento do PIB, segundo relatório recente do Federal Reserve Bank de Dallas.
Para o resto do mundo, as diferenças entre as políticas comerciais e energéticas de Trump e Harris também significam enorme diferenças de impacto. Portanto, não admira que esteja acompanhando de perto a evolução do processo eleitoral nos EUA. Se você acredita na mudança climática causada por emissões de carbono e deseja uma transição para energia renovável no mundo, bem como se acredita que o comércio entre os países não é um jogo de “perde-ganha”, já sabe por quem torcerá.
Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI Polytechnique. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.