Publicado em Poder 360, 05 abril 2019
Na próxima semana ocorrerá o Encontro de Primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em Washington, neste 750 ano desde a criação das duas instituições. Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, em fala terça-feira na Câmara de Comércio dos EUA, ofereceu um aperitivo quanto às projeções macroeconômicas a ser então divulgadas.
Em janeiro, o FMI reduziu suas projeções de crescimento da economia global para 3,5% em 2019 e 2020, taxas menores que as divulgadas em outubro. Ao referir-se a “perda de momento” em sua fala, Madame Lagarde indicou nova queda nos números que virão na próxima semana. Enquanto, dois anos atrás, 75% da economia global estavam elevando seu ritmo de expansão, agora 70% estariam se movendo na direção oposta.
Por outro lado, Lagarde antecipou não haver expectativa de recessão no futuro próximo, sendo até possível uma retomada de ritmo no segundo semestre. Ao longo das últimas semanas muito se discutiu se uma inversão na curva de juros norte-americanos – juros de 10 anos caíram abaixo das taxas de 3 meses durante o período de 22 a 28 de março – estaria indicando uma recessão à frente. As projeções do FMI, ao que tudo indica, não irão corroborar tal sentimento, ainda que apontando para desaceleração no crescimento.
Madame Lagarde atribuiu a queda do crescimento global às tensões comerciais e ao aperto de condições financeiras no segundo semestre do ano passado. Com a reorientação na política monetária nos EUA anunciada pelo Fed (Federal Reserve Bank), as condições financeiras passaram por alívio nesse primeiro trimestre. O Fed indicou mais “paciência” na normalização de sua política monetária (subida de juros e encolhimento de seu balanço), juntando-se assim aos outros bancos centrais de peso.
Na China, por sua vez, o ritmo de desalavancagem financeira e de desaceleração no crescimento tem sido mais suave que o que se temia. Contudo, Lagarde chamou o momento atual da economia global de “delicado”, referindo-se ao cenário de revitalização no segundo semestre como “precário” por conta da presença de riscos de alto impacto.
Entre tais riscos, Lagarde destacou as tensões no comércio mundial. Em um dos capítulos já divulgados do relatório Perspectivas da Economia Mundial a ser discutido no encontro da próxima semana, há uma simulação mostrando que, caso tarifas em todos os bens negociados entre EUA e China sofressem aumentos de 25%, o dano sobre os PIBs anuais dos dois países seria de 0,6% no primeiro e 1,5% no segundo. “Ninguém ganha uma guerra comercial”, observou a diretora-gerente do FMI.
Lagarde também mencionou riscos associados a países em particular – como a possibilidade de um Brexit desordenado – e altos níveis de endividamento em alguns países e setores. O problema é que eventuais surpresas negativas quanto ao crescimento econômico ou fatores que induzam bancos centrais a apertar condições financeiras poderão ter seus desdobramentos agravados pela vulnerabilidade de tais setores e países endividados.
O endividamento de empresas não-financeiras norte-americanas é um caso em questão – conforme realçado em um relatório da OCDE divulgado em fevereiro e pelo presidente do Federal Reserve de Dallas, Robert Kaplan, no mês passado. O montante de títulos de dívida emitidos por tais empresas subiu sistematicamente de US$ 2,2 trilhões em 2008 para US$ 5,7 trilhões no final do ano passado. Como proporção do PIB, chegou a 47% e superou o pico anterior à crise financeira global.
Vale notar que a maior parcela dessas emissões se deu com classificação de risco (ratings) BBB, o primeiro nível acima de “grau especulativo”, tornando-as assim passíveis de aquisição por investidores institucionais legalmente obrigados a aplicar apenas em papéis com “grau de investimento”. Qualquer reavaliação de riscos jogando para baixo tais títulos, contudo, geraria uma onda massiva de liquidações. A qualidade média da montanha de títulos vem declinando com o passar do tempo.
Além disso, também ocorreu enorme aumento de empréstimos alavancados sindicalizados, com características em comum com aqueles com hipotecas que estiveram na base das bolhas que culminaram na crise financeira de 2007-08. Definitivamente o longo período de política monetária não-convencional desde a crise teve no endividamento de empresas não-financeiras um de seus desdobramentos, enquanto por outro lado as famílias e os bancos desalavancaram.
Há, por outro lado, fatores que atenuam a probabilidade de alguma catástrofe, pelo menos enquanto durarem os baixos juros. Durante a expansão dos últimos anos, os gastos com investimentos fixos pelas empresas norte-americanas estiveram abaixo de seus lucros e muitas dispõem de reservas. Em parte, a emissão de dívidas foi para recompra de ações e, neste caso, resultado de reestruturações de balanço planejadas e não por necessidade de caixa.
Margens de lucro empresarial declinaram recentemente, mas permanecem elevadas. Finalmente, o mercado de empréstimos alavancados e seus derivativos não têm proporções equivalentes às de seus antecessores – um décimo do total da dívida empresarial não-financeira nas economias avançadas, segundo Gavyn Davies no Financial Times. Contudo, como reconheceu Robert Kaplan, a dívida corporativa não-financeira esteve entre as razões para a pausa na subida de juros e a “paciência” do Fed.
Voltando a Madame Lagarde, cumpre reconhecer a delicadeza do momento na economia global e a relevância de se evitar erros de política macroeconômica e, principalmente, acirramento de guerras comerciais. Enquanto isso, o Brasil tem de usar a janela de não-recessão no lado de fora para implementar as reformas estruturais sem as quais a tibieza do desempenho macroeconômico doméstico não irá melhorar.