Valor Econȏmico – 15 maio 2014
Brasil tem vulnerabilidades internas, diz Blanchard
Por Sergio Lamucci | De Nova York
Para o economista-chefe do FMI, investidores ainda estão preocupados com o que ocorre com o país
O Brasil é um dos países emergentes que têm vulnerabilidades internas, disse o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, observando que os investidores seguem preocupados com o que ocorre no país. Segundo ele, o Brasil está no grupo de economias que têm problemas ligados à credibilidade da política fiscal, da política monetária ou ambas. Ao responder uma pergunta do ex-presidente do Banco Central (BC) Carlos Langoni, em seminário realizado em Nova York, Blanchard não especificou se a vulnerabilidade brasileira é ligada à questão fiscal ou monetária.
De acordo com Blanchard, o tema da credibilidade é “particularmente relevante” no caso brasileiro. Ele citou o caso da Índia como um país em que houve melhora na confiança depois de mudanças na política monetária que se seguiram ao período de volatilidade iniciado em maio do ano passado. Naquele mês, o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), indicou que planejava reduzir os estímulos monetários, o que levou à alta dos juros americanos de longo prazo e a uma onda de vendas de ativos emergentes, como moedas e ações.
Blanchard disse que os emergentes apresentam uma situação melhor no front externo, em especial por causa do nível elevado de reservas. Outra vantagem é que quem tomou empréstimos nesses países está menos exposto a mudanças no câmbio do que na crise asiática, no fim dos anos 1990. Com isso, desvalorizações cambiais podem ser uma opção para esses países, sem causar problemas mais sérios, notou Blanchard, que participou em Nova York do seminário III World Economy and Brazil, promovido pela FGV Projetos e pela Brazilian American Chamber of Commerce.
Durante o evento, Blanchard observou que os investidores reavaliaram as suas opiniões sobre o Brasil em maio do ano passado e ainda estão preocupados. Blanchard fez esses comentários ao mostrar a evolução de alguns indicadores sobre o Brasil e outros emergentes ao longo dos últimos anos. No caso brasileiro, números como os do déficit em conta corrente, do déficit público e da inflação pioraram em relação ao período anterior à crise. Ao falar do desempenho dos emergentes de modo geral, ele disse que houve alguma deterioração em comparação ao pré-crise, mas que esses países não estão em situação grave.
O economista-chefe do Fundo notou ainda que a baixa taxa de investimento, na casa de 18% do PIB, é uma das explicações para o baixo crescimento do país. O FMI tem insistido que elevar o investimento é uma das medidas fundamentais para o Brasil voltar a crescer a taxas mais elevadas, superando gargalos de oferta, como em infraestrutura. Em sua apresentação, Blanchard destacou que vê o fortalecimento das economias avançadas neste ano, enquanto o ritmo de avanço dos emergentes deverá se enfraquecer um pouco. Segundo ele, as economias em desenvolvimento terão de se acostumar a um ambiente diferente, mas não é necessariamente pior. O crescimento mais forte dos países desenvolvido, lembrou Blanchard, ajuda as exportações. Será necessário, contudo, conviver com juros mais altos. Segundo ele, depois de vários anos em que a prioridade da economia global era escapar da crise e impulsionar a demanda, entra em cena a necessidade de estimular a oferta, com medidas para impulsionar o crescimento potencial (que não acelera a inflação).
Também presente ao evento, o consultor-sênior para os Brics do Banco Mundial, Otaviano Canuto, disse que “a propensão de alguns emergentes à complacência” é fundamental para entender por que esses países têm crescido menos do que se projetava há alguns anos. Segundo ele, países como Brasil, Rússia, Índia, África do Sul, Indonésia e Turquia não realizaram reformas estruturais que seriam necessárias para aproveitar outras possíveis fonte autônomas de crescimento. A ampla liquidez global que se seguiu à crise contribuiu para essa complacência.
Langoni, por sua vez, disse que o Brasil precisa superar a armadilha de crescimento baixo e inflação alta. Para ele, os desafios são principalmente internos. Segundo Langoni, não será mais possível surfar na onda do superciclo de commodities, que parece ter chegado ao fim. Ele destacou ainda a necessidade de o país aumentar a produtividade e melhorar a confiança de consumidores e empresários, hoje em níveis baixos. Para Langoni, passar da autonomia para a independência formal do BC seria um ponto importante, para livrar a instituição da influência política.
Canuto ponderou que aprovar uma medida nessa direção consumiria capital político, algo escasso, que seria mais bem utilizado na busca da reforma tributária ou do gasto público. Já Blanchard disse considerar importante que os bancos centrais tenham um alto grau de independência no que se refere à fixação dos juros básicos. No entanto, depois da crise ficou mais clara a importância de medidas macroprudenciais na atuação dos BCs e, nesse caso, é necessário haver alguma coordenação com as autoridades fiscais, afirmou ele.
III World Economy and Brazil
O Brasil foi tema de dois eventos que já entraram para o calendário econômico em Nova York. Juntamente com a Brazil-American Chamber of Commerce (Brazilcham), a FGV Projetos realizou o III World Economy and Brazil, no dia 14 de maio, com a presença de Olivier Blanchard, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), e Otaviano Canuto, consultor-sênior em BRICS no Banco Mundial. A FGV também participa do Person of the Year Awards Gala Dinner, evento promovido desde 1970 pela Brazilcham, e que este ano homenageou o executivo Rubens Ometto Silveira Mello.
Cesar Cunha Campos, diretor da FGV Projetos, presidiu o evento e fez uma apresentação sobre o atual cenário brasileiro. Blanchard apresentou uma visão geral do estado da economia mundial e Canuto analisou os BRICS na perspectiva das mudanças que estão ocorrendo mundialmente. O debate foi moderado pelo professor Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da FGV e ex-presidente do Banco Central.
No ano passado o encontro teve como palestrantes Paul Volcker, professor emérito da Universidade de Princeton, e Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que também foi homenageado com o prêmio Person of the Year 2013.
O evento foi realizado no Harvard Club, patrocinado pelo Bradesco e teve o Financial Times como media partner.