CORREIO BRASILIENSE, 17 abril 2017
Em entrevista ao Correio, Otaviano Canuto defende investimento em infraestrutura e abertura para facilitar a retomada da economia
Rosana Hessel
O diretor executivo do Banco Mundial para o Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trinidad & Tobago, Otaviano Canuto, aponta como principais fatores da falta de crescimento do país a baixa produtividade e a infraestrutura precária.
Para ele, que é mestre em economia pela Concordia University, em Montreal, no Canadá, a retomada brasileira depende do avanço das reformas, de uma abertura maior do mercado e da diminuição do protecionismo, principalmente com a redução dos subsídios. Canuto lembra que somente o crédito direcionado consumiu 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos anos e não ajudou na expansão da economia.
Há 14 anos no Banco Mundial, o economista acompanha a distância a economia brasileira e tem posições firmes sobre a qualidade do gasto público. Canuto defende o aumento dos investimentos em infraestrutura e cita um estudo do Banco Mundial, que mostra que, apenas para manter o que existe hoje, o país deveria investir 3% ao ano no setor, mas, desde 2000, o gasto médio é de 2,5%.
O diretor executivo do Banco Mundial esteve no Brasil para uma palestra para empresários do Conselhão da Presidência da República na última quarta-feira, na qual falou sobre a intermediação financeira. Para ele, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, está “no caminho certo”, mas é preciso que haja um aumento da velocidade no programa de concessão.
A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva concedida por ele ao Correio.
Qual a razão principal da falta de crescimento do país?
Eu diria que a crise fiscal e a de crédito são sintomas de um problema mais longo e mais estrutural, que também precisa ser enfrentado. É o que eu chamei em vários artigos de anemia de produtividade. O Brasil vem mostrando uma incapacidade de aumentar a produtividade dos trabalhadores e do conjunto desde os anos 1980. Essa anemia de produtividade não impediu o crescimento do Brasil no novo milênio, de 4,5% ao ano, com a renda na base da pirâmide crescendo 7% anualmente. As políticas sociais e o quadro externo, com o ciclo de valorização das commodities, viabilizaram tudo isso. Mas o problema é que essas fontes de crescimento tendem a se exaurir. Agora, o crescimento do Brasil vai depender da produtividade.
E qual é o principal motivo dessa baixa produtividade?
Os problemas de produtividade no Brasil refletem a ausência de investimentos em infraestrutura. O Banco Mundial estima que, para sustentar o que existe em termos de infraestrutura, que é precária, o país precisa investir o correspondente a 3% do PIB. Só para manter. Mas investe, em média, desde 2000 para cá, 2,5% ao ano. Esse é um problema mais estrutural, que não é uma questão de Fla-Flu. Está aí há décadas. E essa carência de infraestrutura cobra um pedágio na produtividade e implica desperdício, criando a possibilidade de sobrevivência dentro do país de empresas ineficientes.
E o protecionismo, que é elevado, também atrapalha?
Existe um protecionismo muito grande no comércio exterior. A própria infraestrutura é um tipo de protecionismo, porque atrapalha a concorrência, porque empresas evitam investir no país. Ele é um dos fatores subjacentes à baixa proporção do investimento em relação ao PIB brasileiro. Não apenas porque infraestrutura é um componente importante da formação bruta de capital fixo de qualquer país, mas porque a ausência dela atrapalha investimentos complementares. E tem vários aspectos do ambiente de negócios no Brasil que não são favoráveis à produtividade.
O gasto público cresceu muito nos últimos anos? O governo gastou mal?
Sim. O crédito direcionado tinha um componente de subsídios correspondentes a algo em torno de 1,5% do PIB e sem resultado equivalente em termos de investimento ou de crescimento. Eu diria que o problema é de qualidade do gasto público — em termos reais, descontando a inflação, as despesas cresceram a uma média de 6% ao ano entre 1992 e 2014. Não tiro, nessa questão, a responsabilidade ou a irresponsabilidade de alguns governos estaduais, que deram aumentos salariais contando com receitas que não se concretizaram. Também precisamos incluir nessa conta as desonerações tributárias que não deram resultado.
A emenda do teto para o crescimento dos gastos públicos de 7,2% neste ano tem riscos de ser generosa por estar acima da inflação?
Um dos aspectos interessantes do teto dos gastos é que conteve certa flexibilidade a curto prazo. A definição do teto é de acordo com a inflação. E, neste ano, está generoso porque o custo de vida está caindo e o indexador prevê a projeção feita no ano passado. Ao que tudo indica, vamos ter uma inflação no centro da meta (de 4,5% ao ano) ou abaixo. Além dos impulsos positivos da agricultura e de recuperação de capacidade de endividamento das famílias para a economia, o sucesso do combate à inflação vai ensejar uma oportunidade de queda de juros. Os mercados hoje estão precificando isso.
Qual é a sua expectativa de trajetória de queda dos juros?
O meu palpite, que não é tão bom quanto de outros que fazem modelagens, é de que a taxa de juros real pode cair para 4% ao ano. Seria algo compatível com uma inflação 4,5% ou abaixo e uma Selic básica em torno de 8,5% ao ano.
Mas esse cenário favorável não está condicionado à reforma da Previdência?
Acho que não. Claro que a reforma da Previdência importa na medida em que ela fortalece a visão de que os riscos fiscais e da dívida pública estão rumando para baixo. Um passo importante foi a emenda do teto do gasto, mas ela precisa de reformas adicionais que consigam tolher o gasto público para dentro da meta. Como a Previdência é um item grande da despesa e, com o passar do tempo, tende a crescer muito, dada às características da nossa evolução demográfica e à generosidade do nosso regime para uma parcela da população, se a reforma não for significativa, a confiança da trajetória fiscal futura enfraquece.
O senhor disse que o regime previdenciário brasileiro é generoso. Em que sentido?
O Brasil é um dos poucos países onde não há idade mínima para aposentadoria. Para alguns, os benefícios são iguais ou maiores ao que as pessoas ganhavam em idade ativa. Na verdade, o que é razoável em todas as partes do mundo são valores mais baixos, até porque os custos associados ao trabalho deixam de existir. O Brasil tem algumas pensões que pagam o mesmo ou mais que as pessoas na ativa ganham. E tem janelas nas quais as pessoas conseguem se aposentar sem um nível de contribuição. Não estou me referindo às parcelas das classes que estão classificadas como pensões, mas não são pensões e sim assistência social, como as aposentadorias rurais. Estou me referindo a todas as outras que supostamente deveriam refletir contribuições ao longo da vida ativa das pessoas.
Como o senhor avalia a gestão do ministro Meirelles? Houve um cavalo de pau na política econômica após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff?
Houve um cavalo de pau na política. Essa é a diferença. Como observador, Dilma fez uma opção quando trouxe o Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda, em 2015), mas a crise política se intensificou e ela meio que buscou refúgio político nas bases contrárias à política econômica. O presidente Temer, até de maneira consistente com o que ele tinha colocado no documento Ponte para o Futuro, trás o ministro Meirelles e adota uma agenda que contém coisas que a economia precisa. Tanto em termos de redução definitiva de juros, de controle fiscal a médio e a longo prazos e de aumento da produtividade. Essa é a agenda.
Mas o lado político não está mais complicado com a divulgação da “Lista do Fachin”? Isso não pode atrapalhar a agenda de reformas e a retomada da economia?
O ministro está no caminho certo. Olha, eu não tenho como avaliar (o impacto político). Uma coisa certa é que o foco do Executivo na sua relação com o Legislativo continua apontando para a continuidade das reformas. Acho que o plano dos componentes do quebra-cabeças montado pelo governo me parece intacto. Não vejo por que ele tenha que mudar.
Uma das grandes dificuldades do país é a falta de investimento. Isso ainda vai continuar até quando?
A falta de investimento é reflexo da infraestrutura, que contribui para o desperdício de produtividade. O mau ambiente de negócios e o caráter inconcluso da transformação educacional no Brasil também são fatores que implicam produtividade mais baixa e juros mais altos. Essa é uma combinação, digamos, mortal para investimentos privados em diversas áreas. Por isso, os investimentos são baixos. É preciso enfrentar esses dois itens para, naturalmente, o retorno de investimento privado subir.
Com a taxa de juro real de 4% que o senhor está prevendo para este ano, é possível a retomada do investimento em infraestrutura?
Os juros pagos pelos títulos públicos ainda estão em um patamar impossível de ser batido por qualquer taxa de retorno de investimento em infraestrutura. Por isso é preciso ter os juros caindo e uma retomada da confiança na trajetória fiscal para que os investimentos voltem.
É preciso mais abertura?
O Brasil é um dos países mais fechados do mundo e não tem rejuvenescimento de empresas exportadoras. Isso é uma coisa impressionante. O país, com 200 milhões de habitantes, tem o mesmo número de empresas exportadoras que a Noruega, que tem uma população de 5 milhões de pessoas, 200 empresas. E ainda temos tarifas elevadas, enquanto o resto do mundo utiliza instrumentos de política industrial. Esse é um componente que precisa ser revisado. A agenda que é preciso atacar é a da produtividade. Uma vez que se equacione a questão fiscal, o foco na produtividade tem que ir para frente.
Como aumentar a produtividade se a indústria está com ociosidade elevada e sem capacidade para investir?
Tem que mudar a infraestrutura, melhorar o ambiente de negócios, uma reforma educacional, a abertura comercial certamente fortaleceria como um dos capítulos de ambiente de negócios. É preciso avançar na questão tributária, na modernização da legislação trabalhista. A terceirização foi feita. Outro ponto, que é a prevalência do negociado pela lei, é algo que também deve avançar. Mas os efeitos dessas reformas vão demorar algum tempo. Eles não são imediatos.
Com a recessão e a queda da renda, o país ainda está perto de perder o bônus demográfico. Estamos mesmo condenados a ser um país de renda média baixa?
Na realidade, temos renda média alta, mas mal distribuída. A questão é que, se não reencontrarmos uma agenda de aumento de produtividade e de mudança institucional, como exige uma economia de mercado mais sofisticada, não vamos sair dessa armadilha. A diferença entre os asiáticos que deram certo e o Brasil é que, em um determinado momento, perceberam que o que tinha funcionado bem e os levado até ali já não era mais suficiente, e mudaram. Foi assim na Coreia do Sul, no Japão e em Taiwan, em Israel, nas Ilhas Maurício. O Chile está tentando. Enquanto continuarmos a repetir o mesmo uso das políticas que nos levaram a ser um país de renda média e insistirmos nisso, não vamos evoluir.