Está na hora de desentupir as artérias do transporte urbano hoje para evitar o derrame e a paralisia amanhã. São Paulo e Mumbai são ambas megarregiões metropolitanas com cerca de 20 milhões de habitantes e que necessitam urgentemente de soluções rápidas.
As más condições de mobilidade e acessibilidade aos empregos e serviços na maioria das regiões metropolitanas dos países em desenvolvimento são uma questão chave para o desenvolvimento. Além dos efeitos negativos para o bem-estar de suas populações associados ao congestionamento de trânsito e o tempo gasto no transporte, elas representam perdas econômicas em termos de desperdício de recursos humanos e materiais.
Isto me levou a ler com muito interesse um livro recente sobre o impacto das redes baseadas em trens em São Paulo e Mumbai, São Paulo And Mumbai: The Impact Of Rail-Based Networks On Two Bric Mega Cities(disponível no Google Play), escrito por Jorge Rebelo, um especialista em transporte que trabalhou por mais de 25 anos no Banco Mundial. São Paulo e Mumbai são ambas megarregiões metropolitanas com cerca de 20 milhões de habitantes e que necessitam urgentemente de soluções rápidas para melhorar a mobilidade e a acessibilidade de suas populações. Enquanto a população e a renda cresciam, a propriedade de automóveis e motocicletas e sua utilização também aumentou nas duas cidades. Seus sistemas de transporte coletivo estão sobrecarregados e as condições de viagem alcançam seu limite ou já o superaram nas horas de pico. O congestionamento torna-se insuportável nessas duas megacidades, e qualquer nova infraestrutura exige a realocação de casas e empresas, uma questão muito delicada que por sua vez exige um planejamento cuidadoso e investimentos pesados.
As regiões metropolitanas de Mumbai e de São Paulo têm extensas redes ferroviárias suburbanas que datam do século 19 e que hoje atendem diariamente a um número enorme de passageiros, na maioria de baixa renda. Construídas inicialmente para transporte de carga e passageiros interurbanos, essas ferrovias hoje são importantes redes de transporte usadas por milhões de passageiros. Segundo Rebelo, ambas as megarregiões metropolitanas demoraram demais para ampliar substancialmente seus sistemas de metrô e outros baseados em trens, seja por falta de coordenação entre os níveis de governo e/ou mecanismos de financiamento inconfiáveis que não permitiam a continuidade necessária para garantir acréscimos anuais a seus sistemas. O preço por ter demorado a enfrentar esses desafios foi enorme!
Os desafios crescentes em mobilidade não são únicos dessas megametrópoles, é claro. Dezenove das 26 maiores áreas metropolitanas do mundo hoje estão em economias não avançadas, e a maioria delas sofreu de desigualdade entre, de um lado, a dinâmica veloz do adensamento e da transformação do uso do espaço e, de outro, o ritmo mais lento da adaptação institucional e/ou investimentos para enfrentar a evolução das necessidades de transporte. As dificuldades de mobilidade tornaram-se mais intensas mesmo onde a dinâmica populacional e a migração rural-urbana não são fatores predominantes, como na Rússia, como foi abordado por JungEun Oh e Kenneth Gwilliam em uma recente análise do Banco Mundial sobre o setor de transporte urbano na Federação Russa:
“As cidades russas estão passando por mudanças econômicas e sociais críticas que afetam o desempenho e a condição de seus sistemas de transporte urbano. Enquanto a população da maioria das grandes cidades russas (mais de um milhão de moradores) permaneceu relativamente estável na última década, a renda média dos habitantes urbanos aumentou acentuadamente. O número de carros particulares per capita cresceu com rapidez, gerando uma demanda de mobilidade urbana que é cada vez mais difícil de suprir.”
Por meio de uma longa série de projetos e análises com que o Banco Mundial vem apoiando os aperfeiçoamentos do transporte urbano nos países em desenvolvimento ao longo dos anos — acessíveis em www.worldbank.org –, podemos notar como os desafios associados à desigualdade entre evolução das necessidades de transporte urbano e respostas de investimentos e institucionais são generalizados no mundo em desenvolvimento. Também podemos ver há quanto tempo esses desafios já haviam se tornado significativos. Por exemplo, o relatório de avaliação do Banco Mundial sobre um projeto no Rio de Janeiro mais de 20 anos atrás afirmava o seguinte:
“O transporte urbano está em crise no Brasil. Apesar de o país ter investido fortemente no setor nos últimos 15 anos, a demanda efetiva por serviços de transporte urbano, particularmente nas principais regiões metropolitanas (MRs), aumentou cerca de 82% na última década, e sob as atuais políticas de apreçamento supera a oferta existente na hora de pico na maioria das MRs. Aumentando essa deficiência, o setor de transporte urbano no Brasil sofre problemas institucionais devido à falta de coordenação entre os três níveis do governo responsáveis pelo transporte urbano nas MRs.”
Não por acaso, a questão da coordenação entre níveis de governo é salientada em um conjunto de propostas de políticas discutidas no livro de Rebelo — que certamente serve como referência para a maioria das áreas metropolitanas nos países em desenvolvimento. Em primeiro lugar, é fundamental estabelecer algum tipo de Autoridade Metropolitana efetiva e real, como coordenadora do planejamento, avaliação e priorização de novos investimentos em longo prazo e coordenação de sua política de tarifas e subsídios. Isso também foi salientado em um recente relatório do Banco Mundial – “Labirinto Institucional”:
“Geralmente, diversas agências em diferentes níveis de governo participam da administração e o fornecimento de infraestrutura e serviços de transporte urbano. Com frequência, há pouca ou nenhuma coordenação entre elas. Isto resulta na duplicação e ineficiência no uso de recursos e em serviços de má qualidade. A necessidade de coordenação institucional através do espaço e função é cada vez mais reconhecida como crítica para se desenvolver um sistema de transporte urbano abrangente e integrado.”
A rápida transformação do uso do espaço e o adensamento das conexões entre áreas urbanas tendem a tornar obsoletos e disfuncionais mandatos políticos e administrativos anteriores relacionados a transporte e urbanismo. A inércia ou resistência política natural muitas vezes torna-se um obstáculo para a construção de algum tipo de nova autoridade eficaz, capaz de enfrentar a realidade metropolitana em evolução.
Algumas outras recomendações se seguem no livro de Rebelo. Por exemplo, deveria haver uma busca de mecanismos de financiamento que sejam menos dependentes de orçamentos de governos flutuantes. Um maior uso de parcerias público-privadas parece ser uma tendência em muitas partes do mundo, e isso poderia exigir subsídios operacionais. Portanto, mecanismos de financiamento para garantir o pagamento em tempo desses subsídios devem estar implantados para evitar situações em que as concessões correm o risco de falhar quando subsídios operacionais não são pagos em tempo. As receitas de publicidade, o uso do espaço das estações, empreendimentos imobiliários em torno das estações e operações urbanas também podem ser cuidadosamente planejados.
Outra consideração chave é incentivar fortemente a transparência dos processos de licitação e avaliação para promover a competitividade internacional e reduzir os custos. Também parece aconselhável criar um inventário de projetos contidos na estratégia em longo prazo, muito além das etapas de projeto preliminares. Isso reduziria o cronograma de implementação e tornaria os projetos mais interessantes do ponto de vista político. Finalmente, na maioria dos casos, provavelmente com ajuda do judiciário, deve-se fazer um esforço para encontrar maneiras de simplificar e acelerar processos de desapropriação/reassentamento que podem ser considerados necessários. Todos esses procedimentos recomendados exigem uma definição de linhas de autoridade adequadas para a realidade metropolitana em evolução.
A realidade é que algumas das infraestruturas de transportes do mundo em desenvolvimento estão além da simples congestão; correm o risco do colapso ou da paralisia totais. Há motivos para se acreditar, porém, que as autoridades de muitos países receberam a mensagem e começaram a agir de maneira mais decisiva. Por exemplo, Mumbai acaba de inaugurar seu primeiro monotrilho e há outros projetos de ferrovias e metrô em curso sob a liderança da Autoridade de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Mumbai. São Paulo e Rio de Janeiro também estão empreendendo programas substanciais para tentar abordar seus problemas de mobilidade, e está mais que na hora de fazê-lo. As recompensas de se adaptar as instituições e as finanças à dinâmica urbana são claramente enormes. Está na hora de desentupir as artérias do transporte urbano hoje para evitar o derrame e a paralisia amanhã!
Originalmente em HuffPost Brasil