Poder 360, 20 de março de 2021
- Fed divulgou projeções na 4ª feira
- Os juros dos títulos longos caíram
- Há dupla divergência com o mercado
OTAVIANO CANUTO
20.março.2021 (sábado) – 5h50 atualizado: 20.mar.2021 (sábado) – 6h52
As projeções do PIB dos Estados Unidos divulgadas pelo Federal Reserve na quarta-feira apontaram para um crescimento de 6,5% esse ano, bem acima dos 4,2% de dezembro passado. A aprovação pelo congresso do pacote fiscal de US$ 1,9 trilhão do governo Biden, assim como a marcha de vacinação contra a Covid, explicam a subida na estimativa. Há que se levar em conta, por outro lado, que a taxa de crescimento esse ano ocorre depois da queda de 3,5% no ano passado.
Enquanto a taxa de desemprego esperada ao final do ano agora é de 4,5%, ao invés dos 5% de antes, a mediana das expectativas de taxa de inflação medida por seu núcleo (índice de preços da despesa pessoal de consumo) pelos membros do comitê de política monetária subiu para 2,2%, acima da previsão de 1,8% de dezembro, mas apenas levemente superior aos 2% na média que servem de meta segundo o novo arcabouço de política monetária do Fed anunciado no ano passado.
Por isso mesmo as opiniões dos participantes da reunião sobre até quando os atuais juros básicos de referência (entre zero e 0,25%) vão permanecer se dividiram entre o próximo ano e até 2024. Na conferência de imprensa posterior à reunião do comitê, dada por seu presidente, Jerome Powell, o sinal da permanência da política acomodatícia foi reforçado, incluindo a continuação de compras de títulos do Tesouro.
Há que se levar em conta que o impacto do pacote fiscal é o que analistas chamam de sugar rush, ou seja, uma sensação de muita energia após comer ou beber uma quantidade considerável de açúcar em um curto período de tempo. Está previsto um segundo pacote voltado a infraestrutura, mas o efeito do pacote fiscal agora aprovado será o de um gole de brandy, ao invés de se constituir em pressão durável de demanda sobre a economia. Não por acaso, na média, os membros do comitê disseram esperar que o núcleo da inflação fique em 2% em 2022 e 2,1% em 2023.
E os juros dos títulos longos do Tesouro norte-americano? Caíram um pouco após a divulgação das projeções na quarta-feira, mas tudo indica que a volatilidade continuará no futuro próximo.
Parece permanecer uma dupla divergência entre o mercado e o Fed. As projeções de inflação embutidas nos preços dos títulos permanecem acima daquelas apresentadas pelo Fed. Além disso, parece haver dissonância entre o modo de ação anunciado pelo Fed e o que os mercados preveem como “função de reação” pelo Fed.
Há também um desconforto de investidores porque antecipar movimentos dos juros básicos ficou mais complicado depois que o Fed deixou de usar 2% como espécie de teto e a taxa passou a ser uma média… Quanto e por quanto tempo a inflação acima dos 2% seria um gatilho para a subida de juros?
Quem acompanha os pronunciamentos de oficiais do Fed pode notar várias dúvidas acentuadas ao longo dos últimos anos. Qual é o grau de achatamento da Curva de Phillips, ou seja, por quanto tempo a economia pode permanecer aquecida sem se defrontar com pleno emprego da mão de obra? A que corresponde exatamente o tal pleno emprego?
Em artigo na Bloomberg, Jerome Powell se refere a desemprego na população negra, a aumentos de salários nas faixas de renda baixa e a trabalhadores sem diploma superior. Assim como em outras partes do mundo, há um clamor para que bancos centrais mirem conjuntos de indicadores mais amplos que quaisquer índices isolados de inflação como referência única para estabilização econômica e financeira. Até pelas dificuldades experimentadas com o uso de projeções agregadas quanto a desemprego e inflação. O mundo parece ter ficado muito complicado para encaixar em regras simples quanto a tais variáveis.
Na Nova Zelândia, pioneira na formalização do regime de metas de inflação, preços imobiliários agora estão incluídos. Lembremo-nos da febre que se seguiu à crise financeira global de 2008 quanto a possível ampliação do leque da política monetária, acompanhada de regulação prudencial, de modo a manter também um olho nos preços dos ativos financeiros, em lugar de simplesmente preços de bens e serviços.
Haverá uma guerra de braços entre o Fed e os mercados de papéis longos do Tesouro? A subida nas taxas de juros de 10 anos nesse ano foi mais acentuada que em momentos anteriores de instabilidade, como o taper tantrum de 2013 e as desovas de títulos públicos em 2003 e 2015. A demanda por títulos do Tesouro dos EUA retraiu desde o início do ano, a julgar pelos preços em leilões, sugerindo a alguns que os bond vigilantes estariam policiando e punindo a política fiscal considerada frouxa demais.
Ontem o Fed anunciou que não vai estender para além de 31 de março o afrouxamento nas regras de capital mínimo dos bancos que foi concedido em abril do ano passado, durante o choque financeiro do início da pandemia. A permissão de excluir temporariamente as reservas bancárias de títulos do Tesouro e depósitos junto ao Fed dos ativos de bancos exigindo cobertura em termos de capital mínimo deixará de valer. No início de ontem, as ações de grandes bancos –Citigroup, Bank of America, JPMorgan, Morgan Stanley– estavam em queda de 3%, enquanto os juros de 10 anos subiram levemente (0.03 pontos básicos) para 1,74% para cair em seguida.
E a discrepância entre a narrativa do Fed e os juros longos de mercado? Quão proativo no convencimento terá de ser o Fed? Na reunião do Fed de junho do ano passado, a possibilidade de “controle da curva de juros” foi então descartada “por não estar claro que o comitê precisaria reforçar sua forward guidance” com a adoção de tal política. A atual passividade do Fed em relação aos juros longos pode sempre dar lugar a uma revisão de tal posição, a título de estabilização caso a volatilidade se acentue na parte longa da curva de juros.
Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute, professor assistente adjunto em Columbia University, professor na Elliott School of International Affairs (GWU) e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp