Os desafios do crescimento econômico da China

Poder 360, 02 março 2024

Xi Jinping deveria retomar proposta de seu antecessor de “rebalancear” empresas públicas e privadas para contornar desafios, escreve Otaviano Canuto.

A nota do FMI para o G-20 divulgada segunda-feira trouxe uma projeção de crescimento econômico da China de 4,6% e 4,1% para, respectivamente, este ano e o próximo. Em 2023, após a reabertura econômica com o fim da política de “Covid zero”, a taxa foi de 5,2%.

Pode-se apontar seis desafios a serem enfrentados pelo crescimento econômico chinês nos próximos anos. Primeiro, a exaustão do setor imobiliário como fator de crescimento, depois de ter chegado até a um quarto do PIB do país. Como abordamos aqui em 2021, as restrições estabelecidas pelo governo chinês para o acesso de incorporadoras ao crédito barato, por conta de preocupações quanto às proporções atingidas pela bolha imobiliária, não apenas cortaram o boom, como desnudaram a fragilidade patrimonial de incorporadoras, como se viu de cara no caso da Evergrande. Desde então, houve uma queda acentuada nas vendas de casas, nas novas construções e no investimento no setor.

Além do grau de endividamento de empresas imobiliárias frágeis, a dívida de governos locais é outro problema. Até porque suas receitas provenientes da venda de terrenos a promotores imobiliários encolheram. O grau de exposição de bancos chineses a ambos, com possíveis consequências em termos de perdas com empréstimos, poderá afetar negativamente a oferta de crédito na economia.

Um problema de demanda doméstica pelas famílias perfaz um terceiro desafio para o crescimento. Famílias chinesas assumiram dívidas pesadas para a aquisição imobiliária, durante o boom, e um corte de gastos acompanhou a turbulência imobiliária. Mesmo tendo se elevado após o fim do “Covid zero” no ano passado, o consumo permanece em trajetória abaixo daquela de antes da pandemia. Medidas de confiança do consumidor apontam isso. Investimentos privados para o mercado doméstico, assim como contratações, acompanharam tal retraimento de consumidores domésticos.

E quanto ao setor externo como forma de compensação? Um quarto desafio ao crescimento está na resistência externa a tal reforço de exportações como alternativa, dado que estas enfrentam agora a resistência que se seguiu ao acirramento da rivalidade geopolítica no exterior, especialmente nos EUA e em outras economias avançadas.

A dianteira chinesa na tecnologia de energia limpa tem, de fato, se feito acompanhar por forte expansão, por exemplo, de vendas no exterior de carros elétricos. As exportações chinesas de automóveis de passageiros ultrapassaram as japonesas, ao mesmo tempo em que empresas da China buscam reforço de posições no exterior – como a BYD no Brasil, na Hungria e em outros lugares. Mas os riscos de enfrentamento com restrições de acesso a mercados estão elevados.

Um quinto desafio diz respeito à mudança radical de humor de investidores estrangeiros. Desde o terceiro trimestre do ano passado, o balanço de pagamentos da China já registrou uma saída líquida de quase 12 bilhões de dólares em investimento direto, por conta de vendas de ativos ou não-reinvestimento de lucros.  Investimentos em carteira, ou seja, ações e títulos de dívida, também trocaram de sinal.

A insuficiência de demanda agregada na China vem se manifestando sob a forma de deflação na economia doméstica. Os preços ao consumidor estão estáveis ou em queda há meses e as empresas vêm reduzindo preços há mais de um ano. O recurso a estímulos fiscais e monetários é limitado pelos receios de suas consequências financeiras.

A demografia constitui um sexto desafio. O aumento da oferta de trabalhadores acompanhando a rápida urbanização atingiu seus limites. A queda no número de bebês há bastante tempo e o declínio da população já em curso, com parcela crescente da população fora do mercado de trabalho, significa – como em muitas outras partes do mundo – o fim do dividendo demográfico. A taxa de desemprego de jovens, atualmente elevada, constitui fonte de trabalho a ser empregado, mas isto não muda a direção na questão da proporção de chineses em idade não-produtiva.

Para entender como os quatro primeiros desafios acima se entrelaçam, vale voltar ao início da década passada. Em dezembro de 2011, quando quem vos fala era um dos vice-presidentes do Banco Mundial, estive em uma cerimônia em Pequim na qual o então presidente Hu Jintao fez uma das primeiras manifestações sobre a necessidade de um “rebalanceamento” inevitável da economia chinesa. Teria de ocorrer um gradual redirecionamento para um novo padrão de crescimento, não mais associado a taxas de investimento perto de 50% do PIB e com o consumo doméstico aumentando em relação aos investimentos e exportações.

Também, disse Hu Jintao, caberia um esforço para consolidar a inserção local nos degraus mais altos da escada do valor adicionado em cadeias de valor globais, algo que efetivamente foi buscado. Os serviços também deveriam aumentar seu peso no PIB em relação à manufatura. Não mais haveria as taxas de crescimento do PIB de dois dígitos das décadas anteriores, mas o crescimento deixaria de ser, como em 2007 havia dito o então primeiro-ministro Wen Jiabao, “instável, desequilibrado, descoordenado e insustentável”.

Dado o baixo nível do consumo doméstico no PIB (fato ainda presente) e, portanto, a dependência em relação a investimentos e saldos comerciais, a transição correria o risco de passar então por queda abrupta no ritmo de crescimento. Para afastar os receios de desaceleração abrupta, ondas de superinvestimentos impulsionados pelo crédito em infraestrutura e habitação se seguiram nos anos posteriores. Uma segunda rodada veio a ser aplicada em 2015–2017, como resposta a uma desaceleração imobiliária e ao declínio do mercado de ações. Além, claro, das políticas de expansão adotadas durante a crise pandêmica em 2020.

Com efeito, a queda nas taxas de crescimento do PIB chinês ocorreu apenas gradualmente até 6% em 2019. Agora, contudo, há o esgotamento da alavanca de superinvestimentos imobiliários e na infraestrutura. Não apenas por causa dos patamares de endividamento que acompanharam seu uso extensivo, mas também porque, na margem, seus retornos em termos de crescimento do PIB apresentaram contribuição declinante. Claramente as autoridades chinesas optaram por salvaguardar sua economia das vulnerabilidades financeiras, mesmo que ao preço de um crescimento do PIB mais baixo.

Duas reformas teriam forte efeito. Antes de tudo, reforçar a proteção social de modo a convencer chineses a poupar menos. Além disso, retomar a proposta feita por Hu Jintao em 2011 – deixada de lado por Xi Jinping – de “rebalancear” empresas públicas e privadas, com um consequente ganho de produtividade por conta das diferenças favoráveis às segundas mostradas onde operam em conjunto.

Vejamos o que dirá o relatório de trabalho econômico do governo sobre a “nova estratégia de crescimento da China e as metas do PIB”, a ser divulgado na próxima terça-feira.

Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.

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