Poder 360, 01 abril 2023
Em 2010, quando eu era um dos vice-presidentes no Banco Mundial, publiquei com colegas um livro bem otimista quanto à possibilidade de economias emergentes e em desenvolvimento substituírem os países avançados como locomotivas do crescimento econômico global. Enquanto estas estariam às voltas com as sequelas da crise financeira global, as primeiras, já crescendo em ritmo mais rápido na década anterior e chegando a compor mais de metade dos aumentos anuais no PIB global, tinham em grande medida mostrado apetite de fazer as reformas estruturais necessárias para convergirem com os mais ricos.
Nos anos seguintes, vi-me obrigado a temperar aquele otimismo. O exuberante crescimento chinês tinha sido fundamental para o dinamismo de outros não-desenvolvidos e aquela rota chinesa passara a ser uma de menor velocidade. Adicionalmente, a ascensão econômica de vários dos grandes emergentes deu lugar a certa arrogância e complacência quanto a continuar reformando – isso se aplica bem a Brasil, Rússia, África do Sul, Turquia e muitos outros.
O baixo crescimento das economias mais ricas acabou puxando para baixo o desempenho das demais. A desaceleração foi generalizada: em 80% das economias avançadas e 75% das emergentes e em desenvolvimento, o crescimento médio anual foi menor em 2011-21 do que em 2000-10 (veja Figura)
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Fonte: Banco Mundial
Esta semana o Banco Mundial divulgou um relatório projetando uma redução no limite de velocidade com que a economia global poderá crescer no restante dessa década. As alavancas econômicas que impulsionaram a prosperidade nas últimas três décadas estariam perdendo força.
Para o período entre 2022 e 2030, o relatório projeta uma diminuição para 2,2% ao ano no crescimento médio do PIB global potencial – ou seja, sem provocar inflação – o que corresponde a cerca de uma taxa inferior em um terço à que prevaleceu na primeira década deste século. A queda no lado das economias em desenvolvimento, China inclusive, seria igualmente acentuada: de 6% ao ano entre 2000 e 2010 para 4% ao ano no restante desta década.
Não se trata apenas das consequências da série de choques na economia global dos últimos três anos, como a pandemia, a invasão da Ucrânia, a maior frequência e intensidade de fenômenos climáticos adversos e a aceleração inflacionária. O aumento acentuado da inflação nos últimos dois anos levou ao maior aperto da política monetária global em quatro décadas.
A política fiscal também se tornou menos favorável após a deterioração significativa dos saldos orçamentários públicos durante a recessão global de 2020, quando os níveis de dívida atingiram máximos históricos. Em meio a esses múltiplos choques adversos, a economia global experimentou nos últimos três anos a maior desaceleração do crescimento após uma recessão global. O quadro pode ainda piorar caso o aperto monetário em curso se desdobre em crises financeiras, cuja digestão tende a ser com menor crescimento econômico posterior.
Contudo, todos os fatores fundamentais do crescimento do PIB já vinham desacelerando na última década. A China vem caminhando para um ritmo menor de expansão econômica. Mas, fundamentalmente, as melhorias no capital humano, o crescimento da força de trabalho, o investimento (inclusive por causa de incerteza política) e a produtividade total dos fatores (inclusive por meio da realocação de fatores entre setores) reduziram seus ritmos, como mostra o relatório. Espera-se que esses motores de crescimento continuem perdendo força no restante da década atual.
O envelhecimento e a lentidão no crescimento da força de trabalho global são destacados como fatores para baixo, explicando metade da desaceleração esperada no crescimento potencial do PIB até 2030. As mudanças demográficas, levando a uma população em idade ativa cada vez menor e a uma menor participação na força de trabalho à medida que as sociedades envelhecem, terão consequências fiscais via previdência, além, é claro, de menor produtividade média por habitante.
Além disso, o crescimento do comércio internacional está muito mais fraco agora do que foi no início dos anos 2000. A perspectiva de “desglobalização”, mesmo que parcial e relativa, tende a trazer custos mais altos no lugar dos ganhos auferidos na globalização.
O que devem fazer os países diante dessa perspectiva de uma “década perdida”? Antes de tudo, ater-se a políticas macroeconômicas e financeiras que mitiguem os altos e baixos dos ciclos econômicos: controle da inflação, garantia da estabilidade do setor financeiro, redução de dívidas muito elevadas e restauração da prudência fiscal. Essas políticas podem ajudar os países a atrair investimentos, reforçando a confiança dos investidores nas instituições nacionais e na formulação de políticas domésticas.
Isto deve ser feito de maneira compatível com a elevação de investimentos em áreas como transporte e energia, agricultura e manufatura inteligentes e amigáveis com o clima, bem como em solo e água. O relatório estima que investimentos sólidos alinhados com as principais metas climáticas podem aumentar o crescimento potencial em até 0,3 ponto percentual ao ano, bem como fortalecer a resiliência a desastres naturais no futuro.
Reduzir custos de comercialização ainda altos e desnecessários permanece um item importante da pauta. Os países com os custos de transporte e logística mais altos poderiam cortar seus custos comerciais pela metade adotando a facilitação comercial e outras práticas dos países onde tais custos já são mais baixos. Os custos comerciais, além disso, podem ser diminuídos de maneira favorável ao clima, via remoção dos vieses que existem em favor de bens intensivos em carbono nas alíquotas tarifárias de muitos países, assim como pela supressão de restrições ao acesso a bens e serviços ecológicos.
Explorar o setor de serviços como um novo motor do crescimento econômico também se aplica. Para que se tenha uma ideia, as exportações de serviços profissionais entregues digitalmente subiram para mais de 50% do total de exportações de serviços em 2021, acima dos 40% em 2019. Melhor prestação de serviços também constitui fonte de ssubstanciais ganhos de produtividade.
Finalmente, há o que se pode fazer para elevar as taxas de participação da força de trabalho. O relatório destaca como, em algumas regiões, como o sul da Ásia, o Oriente Médio e o norte da África, um aumento nas taxas de participação da força de trabalho feminina para a média de todos os mercados emergentes e economias em desenvolvimento poderia acelerar seu crescimento potencial do PIB em até 1,2 pontos percentuais por ano entre 2022 e 2030.
Uma última chamada soa como a mais difícil: restaurar a integração econômica internacional que foi fundamental como alavanca da prosperidade global por mais de duas décadas desde 1990.