Economias emergentes, inflação e desaceleração global

 

Folha de São Paulo – 19.abr.2022

POR QUÊ? 21 abril 2022

FMI aponta crescimento econômico mais baixo e inflação mais alta para 2022

O relatório “Perspectivas Econômicas Mundiais” do FMI, divulgado hoje, traz uma revisão para pior no cenário para 2022: crescimento econômico mais baixo e inflação mais alta, em comparação com as projeções de janeiro —aqui abordadas em fevereiro. Como havia dito a diretora-geral do órgão Kristalina Georgieva quinta-feira passada, a guerra na Ucrânia representou um “revés substancial” para a recuperação econômica global.

A recuperação econômica global pós-pandemia já vinha desacelerando quando a invasão russa da Ucrânia disparou novos choques de preços de commodities, ocasionando ao mesmo tempo nova onda de restrições em cadeias de suprimento. A política de ‘Covid zero’ na China, por sua vez, também trouxe choques de oferta e de suprimentos.

A revisão para baixo na taxa global de crescimento projetada pelo FMI no relatório de hoje foi de quase 1%, com impacto negativo maior na Europa do que nos Estados Unidos. O desempenho previsto para o conjunto de economias emergentes e em desenvolvimento (EMDE) também sofreu rebaixamento de mais de um ponto percentual. Nesse caso, porém, com heterogeneidade muito maior. Do repique inflacionário, por outro lado, ninguém escapa, e ele traz consigo pressão por alta nas taxas de juros.

Os EMDE enfrentam um conjunto de choques externos em comum: elevação de preços de energia e alimentos; aperto nas condições financeiras globais causado pela perspectiva por aumento mais acentuado de juros e antecipação do “aperto quantitativo”; e retorno de restrições à mobilidade na China, por conta da política de Covid zero, levando a queda no crescimento e enfraquecendo um dos principais motores de crescimento para os EMDE. O estímulo fiscal na China aponta para a direção oposta, mas há dúvidas sobre a sustentabilidade dessa política.

Contudo, os impactos dos choques em comum estão sendo heterogêneos. Cabe distinguir quatro subgrupos entre os EMDE. (Anexo 1 mostra as revisões na projeção de crescimento econômico pelo FMI para os grupos distintos de países)

Primeiro, claro, a Ucrânia sofrendo a destruição da guerra, a Rússia sob sanções e as demais economias da região a elas integradas. Além de inflação mais alta, a Rússia passará por recessão pior que as da crise de 1998 e da a crise financeira global em 2008, ainda que, paradoxalmente, com o superávit em conta-corrente mais alto dos últimos 20 anos.

Os exportadores de commodities estão se beneficiando em termos de troca mais favoráveis. Ainda que isso não seja suficiente para protegê-los inteiramente, receitas públicas fortalecidas dão margem de manobra fiscal para medidas de suavização da alta de preços domésticos de energia. Saldos em conta-corrente maiores também amortecerão o efeito do aperto nas condições financeiras globais. Países que estão mais avançados no ciclo de aperto monetário, como o Brasil, estão se beneficiando da apreciação de suas moedas.

Na semana passada, o FMI já havia chamado atenção para a inflação mais alta em 15 anos —como resultado da pandemia e da guerra na Ucrânia— nas economias maiores da América Latina: Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. O peso dos preços de importações e de commodities na inflação latino-americana é maior do que o das economias avançadas. A projeção de crescimento para a economia brasileira este ano pelo FMI melhorou levemente.

Já os importadores de commodities, para os quais pesam as exportações de manufaturados, estão sofrendo tanto o impacto dos preços mais altos de energia e alimentos quanto a desaceleração no crescimento global. Crescimento mais lento, inflação maior, contas públicas deterioradas e saldos em conta-corrente mais baixos estão previstos.

O quarto subgrupo é o das economias em desenvolvimento às voltas com o endividamento herdado da pandemia. Dívidas mais altas e condições financeiras globais menos favoráveis já estão dificultando a rolagem do serviço de dívida externa e o financiamento de déficits em conta-corrente. Aqui, deve aumentar o volume do atual chamado às instituições multilaterais —Banco Mundial e FMI— para considerarem a possibilidade de processos de reestruturação de dívidas com credores externos.

O dilema encarado por banqueiros centrais entre aceitar inflação ou desacelerar demanda teve seus termos piorados pelos choques disparados pela guerra. Em março, a inflação nos Estados Unidos atingiu 8,5%, seu patamar anualizado mais alto nos últimos 40 anos. As projeções sobre de quanto será o aumento de taxas de juros básicos pelo Fed no restante deste ano variam hoje entre 2,5% e 3,5%.

Um relatório também liberado pelo FMI —sobre a “estabilidade financeira global”— aborda outro dilema: aceitar inflação ou riscos de instabilidade financeira decorrentes de subidas abruptas em taxas de juros. Detalhe importante: os dois dilemas têm interseção. No caso dos Estados Unidos, muitos analistas que o Fed está atrasado em sua rota de ajuste de juros. Caso se veja obrigado a subidas mais abruptas e acentuadas adiante, os solavancos sobre estruturas corporativas privadas com alta alavancagem serão substanciais. A mesma coisa para economias emergentes e em desenvolvimento dependentes de financiamento externo. [Anexo 2 – Recuperação de fluxos de capital de portfólio para emergentes em 2022, porém com volatilidade]

Otaviano Canuto

Membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp

Anexo 1

Fonte: FMI, World Economic Outlook, Abril 2022

Anexo 2

Recuperação de fluxos de capital de portfólio para emergentes em 2022, porém com volatilidade

Fonte: FMI, Global Financial Stability Report, Abril 2022.

 

Get the latest articles directly into your mail box!

You can choose to receive the latest articles either in English, Portuguese or both. Please note:  the confirmation email you will receive may arrive in your Spam or Promotion folder.

Lists*

Loading
Facebook
Twitter
LinkedIn