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Exame CEO, Novembro 2014 (p. 44-49)
O Brasil precisa enfrentar quatro grandes desafios macroeconômicos para superar as turbulências no curto prazo — e realizar três reformas no médio prazo para retomar o rumo de um desenvolvimento sustentável com inclusão social

Passada a eleição presidencial, é hora de debruçarmos sobre os principais problemas que o governo terá de enfrentar nos próximos anos. Em termos de gestão macroeconômica do país, quatro grandes desafios se apresentam em um futuro próximo. A resposta a esses desafios será fortalecida caso seja acompanhada de um mapa rumo à retomada do crescimento econômico. A seguir, sugerimos três áreas por onde traçar tal percurso.

Desafio 1 – realinhamento dos preços

Um primeiro grande desafio será o realinhamento doméstico de preços administrados, em um contexto de pressões inflacionárias ainda elevadas. O aperto monetário de abril de 2013 a abril de 2014 não conseguiu rebaixar as expectativas inflacionárias em direção ao centro da meta. Com efeito, a inflação tem permanecido próxima ou acima do limite superior da faixa da meta de inflação desde a segunda metade de 2012. Os principais fatores inflacionários dos últimos anos – serviços e bens não-comercializáveis – parecem estar desacelerando na margem, enquanto os preços administrados, reprimidos até recentemente, estão sendo gradualmente corrigidos. Por outro lado, mesmo com a tendência de queda no preco internacional do petróleo mitigando o problema da defasagem nos preços domésticos de seus derivados, ainda restam ajustes necessários para cima em outros preços administrados.

Desafio 2 – desvalorização cambial

A dificuldade para a desaceleração inflacionária será acentuada por outro grande desafio, a saber, a pressão por desvalorização cambial que deverá acompanhar o processo de normalização da política monetária norte-americana, com alguma subida em suas taxas de juros esperada para 2015. No mínimo haverá maior volatilidade de juros e câmbio e, por conseguinte, menor atratividade de títulos brasileiros. Na verdade, pode-se presumir que o real já estaria nesse momento mais desvalorizado que em seus níveis atuais não fossem as operações de hedge cambial via derivativos oferecidas massivamente pelo Banco Central desde as turbulências do ano passado.

O fluxo de investimentos diretos externos tem-se mantido estável desde 2011, porém não mais suficiente para cobrir o déficit em conta-corrente do balanço de pagamentos desde o ano passado, quando este superou a faixa de 3,5% do PIB. Na extensão em que haja algum refluxo no ingresso de capital de portfólio, a pressão por desvalorização cambial será acentuada. O desafio constituirá então uma oportunidade de recuperação parcial da competitividade industrial erodida nos últimos anos, desde que a desvalorização nominal não se faça seguir por apenas aceleração inflacionária.

Desafio 3 – aperto monetário

O terceiro grande desafio será responder a tais pressões inflacionárias sem recorrer a doses cavalares de aperto monetário adicional ao que está em vigor, enquanto aqueles ajustes de preços relativos (taxa de câmbio e preços administrados) acontecem. Afinal, a economia brasileira está em seu quarto ano de baixo crescimento, com retração de investimentos e estagnação na produção industrial em níveis próximos aos de 2010. O crédito bancário só não tem desacelerado mais fortemente por conta da expansão das carteiras dos bancos públicos, que hoje superam em tamanho o crédito concedido pelos bancos privados.

Desafio 4 – ajuste fiscal

Fundamental para enfrentar esse desafio anterior será a política fiscal, na medida em que esta pode reduzir a carga de responsabilidade posta sobre as autoridades monetárias. O superávit primário do setor público tem encolhido desde 2012 e dificilmente atingirá sua meta deste ano. Uma reversão do expansionismo fiscal – e para-fiscal, através do aporte de recursos pelo Tesouro Nacional aos bancos públicos – aliviaria a exigência em termos de taxas de juros para o controle da inflação.

Tal revisão da postura fiscal iria ao encontro do quarto grande desafio, que é justamente o de reverter a deterioração no quadro fiscal nos últimos anos, mitigando assim o risco de perda do “grau de investimento” nos ratings da dívida pública. Dados os limites a mudanças muito ambiciosas nas metas fiscais, no curto prazo, em decorrência da rigidez na estrutura atual dos gastos públicos, o estabelecimento de metas plurianuais quanto a saldos primários e/ou gastos públicos em relação ao PIB reforçaria a credibilidade do esforço de ajuste fiscal.

A rigor, caso a resposta aos quatro grandes desafios imediatos seja tomada como crível, melhoras na confiança e nas expectativas dos agentes privados facilitarão a travessia das turbulências. Esse será o caso particularmente se os investimentos privados, em declínio desde meados do ano passado, passarem a refletir um maior otimismo quanto ao futuro desempenho macroeconômico.

Daí decorre a necessidade de formular-se desde já uma agenda para o retorno do crescimento. Há hoje um entendimento generalizado de que o padrão de crescimento-com-inclusão-social baseado em salários reais crescendo automaticamente e na expansão do crédito ao consumo esbarrará em limites se não for acompanhado por aumentos no que os economistas chamam de “produtividade total dos fatores” de produção (PTF), ou seja, nos resultados obtidos com a utilização do o conjunto de capital e trabalho do país e que não podem ser atribuídos à simples incorporação destes fatores.

Mais e melhor educação continuada dos trabalhadores será uma óbvia condição necessária para tal. Contudo, existem também outras três áreas interligadas onde se pode encontrar fontes de aumento na PTF enquanto a melhoria educacional se materializa.

Medida 1 – investir em infraestrutura

A primeira é a infrastrutura. Investimentos sustentáveis em infraestrutura serão essenciais, para além de seu papel como formação bruta de capital fixo, por conta dos gargalos que se tornaram cada vez mais apertados durante o crescimento com inclusão social. A consequente redução de desperdícios de recursos, com a operação de tais investimentos, ensejaria não apenas ganhos generalizados de produtividade, como robusteceria os investimentos privados nos demais setores. Chave aqui será a sintonia fina na divisão de atribuições entre os setores público e privado no investimento e na operação dos diversos segmentos das cadeias de serviços de infraestrutura, conforme suas diferentes capacidades de administrar os correspondentes riscos.

Medida 2 – melhorar o clima de negócios

Adicionalmente, ganhos horizontais de produtividade poderiam ser alcançados mediante reformas em vários parâmetros de operação do setor privado, ou seja, no que podemos chamar de esfera microeconômica do ambiente brasileiro de negócios. Por exemplo, o relatório anual Doing Business, feito anualmente pelo Banco Mundial para 189 países, indica que uma empresa brasileira hoje em dia gasta, de acordo com a simulação apresentada no trabalho, 2.600 homens-hora por ano simplesmente para pagar tributos, enquanto as médias na América Latina e Caribe e na OCDE são, respectivamente, de 367 e 176. Licenças de construção tomam 460 dias no Brasil, contra 225 e 143 nesses últimos. Esses e outros casos similares significam desperdício de recursos humanos e materiais em atividades que não geram valor, algo prejudicial tanto à competitividade das empresas quanto, em nível macroeconômico, à PTF no Brasil.

A simplificação do regime tributário e o aprimoramento do arcabouço jurídico e tributário em que hoje opera o mercado de trabalho deveriam constituir, a nosso juízo, prioridades imediatas nessa agenda microeconômica. No caso da simplificação, já indicamos números que a justificam. No que diz respeito à segunda, cabe observar que o Brasil é um país em que, comparativamente a seus pares em níveis de renda per-capita, as empresas privadas menos investem em treinamento de seu pessoal. Entre os motivos para tal, estão os desincentivos embutidos na atual legislação tributária e trabalhista.

Cabe destacar também o capítulo do comércio exterior. Os custos de transação e as dificuldades de acesso pleno a tecnologias, equipamentos e insumos do exterior limitam o escopo local para a inovação, aumentos de produtividade e a aquisição de competitividade. Os investimentos físicos na infraestrutura da logística deverão trazer uma contribuição positiva neste caso, mas há que avaliar-se os custos da complexa estrutura de barreiras tarifárias e não-tarifárias em que se transformou a proteção comercial do país.

Medida 3 – rever os gastos públicos

A terceira área com grande potencial de contribuição à PTF e ao crescimento econômico, com efeitos inclusive sobre as duas anteriores, seria uma revisão do gasto público. Para uma economia com elevadas carga tributária e proporção de gastos públicos no PIB, como o Brasil, melhoras na qualidade destes últimos têm significativos impactos diretos e indiretos.

Em termos mais gerais, a experiência internacional vem mostrando como a transparência, a avaliação de resultados, a prestação de contas e a concorrência nas compras públicas reduzem a corrupção e melhoram a qualidade do gasto público. Há evidência também de que a qualidade da oferta de serviços públicos (educação, saúde etc.) responde positivamente à presença de incentivos que premiam o bom desempenho. Melhorias na qualidade do gasto público propiciariam ganhos não apenas enquanto parte significativa do PIB, mas também por ser parte dos insumos utilizados pela produção no setor privado.

O potencial de ganhos de PTF com a revisão do gasto público vai além da busca de mais eficiência e eficácia. Na medida em que se localizem benefícios e subsídios públicos que não encontrem justificativa em termos de combate à pobreza ou de necessidades do sistema produtivo, sua eliminação abriria espaço para a redução da carga tributária ou o redirecionamento dos correspondentes recursos.

Temos, portanto, quatro grandes desafios macroeconomicos de curto prazo e três áreas de reforma a médio prazo para aumentar o potencial e a sustentabilidade do crescimento económico. A implementação da agenda de longo prazo sem a casa arrumada no curto prazo revelar-se-á dificil ou quiçá impossível. Por seu turno, o enfrentamento da questão macroeconómica de curto prazo sem a agenda de longo prazo esgota-se em si mesma. Arrumar o curto prazo enquanto se lança as bases do crescimento no longo prazo é a forma de retomar o rumo para o desenvolvimento sustentável e com inclusão social. Afinal é mais fácil navegar pela turbulência quando se vislumbra o Norte a prosseguir.

Otaviano Canuto é Conselheiro Sênior e ex-Vice Presidente do Banco Mundial. Opiniões aqui expressas são pessoais e não devem ser atribuídas a qualquer instituição. Siga no @ocanuto

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