Poder 360, 30 de dezembro de 2023
Crescimento, inflação e juros serão menores que em 2023
Em 2005, quando eu era um dos 24 diretores executivos no Conselho do Banco Mundial, sentava-me ao lado de um simpático republicano texano indicado pelos Estados Unidos, Robert Holland III. Uma vez, entre duas sessões de trabalho, virei para ele e brinquei: “nós, otimistas, somos mais felizes que vocês pessimistas”. Ao que ele me respondeu: “errado. Nós nos desapontamos menos e somos felizes quando erramos!”
Lembrei dessa conversa ao pensar em escrever sobre como foi 2023 para e economia brasileira. Começamos o ano com o Banco Mundial projetando, em janeiro, um crescimento do PIB brasileiro de apenas 0,8% em 2023, ao passo que o FMI sugeria 1,2% como taxa esperada. É provável que terminamos crescendo algo próximo de 3% no ano, apesar da desaceleração no último trimestre levando a estabilidade no PIB.
Foi de fato um ano de contrariedade para previsões pessimistas. Começamos o ano com a preocupação de que a PEC da transição, aprovada pelo Congresso antes da posse do governo Lula III e autorizando um aumento de gastos públicos em mais de R$ 160 bilhões, fosse um sinal antecedente de um chute para o alto de qualquer compromisso com alguma trajetória fiscal sustentável. Contudo, o “novo arcabouço fiscal”, mesmo não convencendo analistas quanto à exequibilidade completa de seus termos, representou um alívio ao sugerir que a trajetória da dívida pública, ainda que de alta segundo a grande maioria dos analistas, não deverá ser explosiva.
O PIB pessimista também foi contrariado por surpresas positivas, no caso provenientes do desempenho da agropecuária e da produção de petróleo e derivados, gás e biodiesel. Por motivos exógenos à política macroeconômica do momento.
Segundo Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos, no Boletim Macro do FGV-IBRE de dezembro, o agronegócio e o setor extrativo chegam hoje a responder por um terço do PIB brasileiro. Vieram deles 1,6 pontos percentuais dos cerca de 2,9 ou 3 pontos percentuais esperados para o PIB de 2023.
Além de terem contribuído para uma expansão do PIB bem acima do esperado, as exportações acompanhando tal desempenho reforçaram a posição do país nas contas externas. De tabela, os preços de alimentos no domicílio chegaram a cair 1,14% nos doze meses até novembro.
Aliás, a queda no ritmo da inflação foi outra área onde o desempenho ocorreu melhor que o esperado. Conforme observado por Armando e Silvia, as medidas de núcleo de inflação retrocederam, com destaque indo para a inflação subjacente nos serviços. A taxa de câmbio também evoluiu melhor que o esperado, ajudando na desinflação de produtos comercializáveis com o exterior.
Cabe destacar também a importância de que, a despeito dos enormes ruídos criados acerca da meta de inflação, o Conselho Monetário Nacional manteve os 3%. Chegar a uma taxa Selic de um dígito em 2025 passou a ser a aposta predominante no segundo semestre.
E quanto a 2024? Como abordamos aqui em nosso artigo anterior, a economia global deverá, no geral, exibir mais moderação tanto no ritmo de crescimento quanto na inflação. Este também parece ser o cenário básico para a economia brasileira.
Armando Castelar e Silvia Matos chamam a atenção para dois aspectos apontando para moderação na taxa de expansão do PIB. Primeiro, no que diz respeito a sua mensuração, haverá o efeito negativo do “carregamento estatístico” da estabilidade neste último trimestre de 2023.
Segundo, depois do extraordinário crescimento da agropecuária em algo próximo de 16% este ano, as estimativas agora sugerem uma queda de 1,6% em 2024. O clima não lhe será favorável, com soja sofrendo moderadamente e milho de modo mais pesado.
Cumpre chamar a atenção para o fato de que qualquer tentação de relaxamento fiscal por conta das eleições, caso não resistida, poderá levar a menor ritmo de queda na Selic, bem como a piores prêmios de riscos e juros mais altos na ponta dos tomadores de recursos.
As projeções para o aumento do PIB em 2024 estão hoje sugerindo patamares entre 1,4% e 1,8%. Não se trata de pessimismo ou otimismo. Mas é claro que tanto otimistas quanto pessimistas ficariam felizes com algum desapontamento decorrente de novas surpresas positivas.
Otaviano Canuto, 67 anos, foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.