Poder 360, 3 de dezembro de 2023
Entidades internacionais estimam retorno a tendência de crescimento e inflação convergindo para metas de bancos centrais até 2025, escreve Otaviano Canuto
A economia global vem atravessando neste ano os desafios de uma inflação persistente e da moderação nas perspectivas de crescimento. Mas o crescimento global mostrou-se mais resiliente do que se esperava, devendo terminar o ano com uma taxa de 2,9% ou 3% segundo, respectivamente, a OCDE e o FMI em suas projeções mais recentes.
Com diferenças. O crescimento do PIB permaneceu elevado em relação às expectativas nos Estados Unidos e em muitas economias produtoras de commodities. O conjunto de economias emergentes e em desenvolvimento vem exibindo uma expansão em patamar próximo ao anterior à pandemia. O Japão, a única grande economia avançada que ainda não restringiu a política monetária, também registrou um crescimento acima da tendência desde o ano passado, apesar da produção diminuir de ritmo de expansão no terceiro trimestre.
Por sua vez, a zona do euro cresceu apenas 0,1% no ano até ao terceiro trimestre e vários países registraram quedas durante o mesmo período, especialmente na Europa Central e Oriental. Os preços mais altos de energia a partir da invasão da Ucrânia pela Rússia tiveram efeitos recessivos.
Já o crescimento na China atravessou volatilidade desde a reabertura pós-Covid-zero no início do ano, num contexto de fragilidade e choque patrimonial no setor imobiliário. A implementação de uma vasta gama de medidas para apoiar a atividade ajudou na estabilização no terceiro trimestre.
A resiliência do crescimento, onde ocorreu, surpreendeu por conta do aperto em políticas monetárias e nas condições financeiras para reduzir inflação. Na margem, contudo, há sinais claros de arrefecimento do ritmo macroeconômico, até porque os efeitos daquele aperto ainda estão se desdobrando.
A inflação global diminuiu de ritmo, mas os núcleos de inflação têm se revelado também resistentes à queda. Segundo a OCDE, estima-se que os índices de núcleo da inflação tenham caído para uma taxa anualizada inferior a 3% nas economias do G7 como um todo no terceiro trimestre do ano, abaixo dos mais de 4,25% do primeiro semestre.
Mas a inflação dos preços de serviços permanece mais rígida do que a inflação dos preços de bens, com os salários em geral se constituindo no principal custo de produção nos serviços. A relativa resiliência do crescimento se expressou na resistência do emprego e no fato de que os serviços correspondem a mais da metade das rubricas ainda com taxas de inflação anuais superiores a 4% nos Estados Unidos, na zona do euro e no Reino Unido.
A resiliência do crescimento se deu apesar do fraco crescimento do comercio global. O volume de bens e serviços comercializados aumentou a uma taxa anualizada de apenas 0,1% no primeiro semestre do ano, após uma expansão já fraca no segundo semestre de 2022. Os dados do terceiro trimestre mostram alguma recuperação no crescimento do comércio nos Estados Unidos, no Japão e na Coreia, juntamente com um crescimento mais lento, mas ainda positivo, do comércio chinês. Em contrapartida, os volumes comerciais na Alemanha, França, Espanha e Países Baixos registraram contração. Os indicadores antecedentes de curto prazo sugerem que o comércio deve se recuperar apenas gradualmente.
Condições financeiras mais restritivas nas economias maiores vêm refletindo os efeitos cumulativos dos aumentos nas taxas de juros e do aperto quantitativo por bancos centrais, com agentes econômicos reavaliando para cima suas projeções de juros no futuro. No entanto, os indicadores de tensão financeira sistémica permanecem contidos, depois das turbulências bancárias – inclusive falências – na primeira metade do ano.
Há até alguns sinais recentes de que o apetite pelo risco começou a renascer, à medida em que se verificou uma desaceleração de ritmos inflacionários. Por um lado, no caso dos Estados Unidos, assistiu-se a uma subida de taxas mais longas de juros refletindo uma relativa piora nas condições de financiamento da dívida pública. Por outro, assistiu-se nessa semana que passou a mais um capítulo da “queda de braços” entre o Federal Reserve, com seu governador Jeremy Powell mais uma vez sinalizando que as taxas básicas permanecerão mais altas até se ter segurança quanto à convergência da inflação à meta, e os mercados apostando que as taxas já vão começar a cair na primeira metade de 2024.
O quadro geral para a economia mundial nos próximos dois anos é o de uma moderação no crescimento e na inflação, com o crescimento retornando a taxas próximas de sua tendência e a inflação convergindo para metas de bancos centrais até 2025. Prevê-se que o crescimento do PIB global se mantenha moderado durante o primeiro semestre de 2024, com apenas uma modesta melhora a partir de então.
A OCDE projeta um crescimento global de 2,7% em 2024, mais fraco que o deste ano e a taxa anual mais baixa desde a crise financeira global, com exceção do primeiro ano da pandemia em 2020. Para 2025, sugere 3% como taxa no ano. O FMI, por seu turno, estima uma taxa de 2,9% para o próximo ano.
E quanto aos riscos em torno das projeções básicas até 2025? O aperto rápido e intenso da política monetária na maioria das grandes economias desde o ano passado ainda implica considerável incerteza sobre toda sua gama de efeitos e pode exacerbar vulnerabilidades financeiras de famílias, corporações não-financeiras, instituições financeiras e países. Tensões geopolíticas também poderão ter impactos sobre o crescimento e a inflação.
As contínuas tensões estruturais na economia chinesa criam outro risco negativo para as projeções de crescimento global, dado o peso da China. O crescimento chinês desde a crise financeira global, momento em que já estava clara a exaustão do padrão de crescimento baseado em investimentos excepcionalmente elevados como proporção do PIB, dependeu de bolhas imobiliárias e de superinvestimentos em infraestrutura. A crise imobiliária e o aperto de condições fiscais de entidades subnacionais trazem incertezas quanto a qual será o crescimento potencial no “novo normal” chinês. O FMI e a OCDE projetam, respectivamente, 4,2% e 4,7% para 2024.
Além disso, as alterações climáticas em curso geram um risco cada vez maior de fenômenos meteorológicos extremos, alguns dos quais com o potencial de causar choques negativos de oferta com efeitos globais. O El Niño iniciado este ano traz potenciais efeitos adversos a curto prazo na produção agrícola na Austrália e na Nova Zelândia, no Sudeste Asiático, na África do Sul e em muitas economias latino-americanas, Brasil inclusive.
No conjunto, as economias emergentes também exibiram resiliência ao longo do ano. Mas os países caracterizados por vulnerabilidades de endividamento foram alvo de tratamento mais rigoroso pelo mercado. Os spreads soberanos aumentaram mais em países com dívida soberana elevada, particularmente naqueles com maior proporção de dívida em moeda estrangeira e com classificações piores de risco de crédito. As entradas líquidas de investimentos em carteira (ações e dívidas) encolheram.
No caso do Brasil, a OCDE projeta taxas de crescimento do PIB em 2024 e 2025 de, respectivamente, 1,8% e 2%, com a taxa de inflação (medida pelos preços ao consumidor) em torno de 3,2% e 3% nos dois anos. Por seu turno, o FMI prevê uma expansão de 1,5% no PIB no próximo ano. Comparando-se tais projeções com as expectativas manifestas no último boletim Focus do Banco Central para a inflação (IPCA) de 4,53% e crescimento do PIB de 2,89% em 2023, vê-se o Brasil também em ritmo de moderação.
Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.