O avanço brasileiro na redução da pobreza e da desigualdade de renda nas duas últimas décadas tem sido reconhecido. Menos talvez o seja a diminuição relativa da desigualdade de gênero.
O índice de analfabetismo em mulheres com 15 anos ou mais caiu de 20,3% em 1991 para 9,8% em 2008. A parcela da força de trabalho feminina com educação de terceiro grau aumentou de 7,4% em 1992 para 11,9% em 2008, sendo agora maior que a dos homens. Políticas governamentais – algumas delas adotadas em cooperação com o setor privado – também melhoraram o atendimento de necessidades das mães, no que se refere à assistência médica antes e durante a gravidez e nascimento do bebê, bem como à educação e assistência à criança. Em relação à violência de gênero, a entrada em vigor da lei Maria da Penha já trouxe alguns resultados.
Apesar desses marcos, assim como no caso da redução da pobreza e da desigualdade de renda, ainda há muito por ser feito. Por exemplo, a diferença de gênero na renda e no acesso ao emprego formal ainda persiste no Brasil. Mesmo com o aumento da parcela de mulheres trabalhando no setor não agrícola, sua vantagem comparativa em termos de ensino não se reflete nos salários relativos no mercado – apesar do nível médio de qualificação da mulher na força de trabalho ser maior. Em 2008, o salário feminino médio correspondia a 84% do masculino e a diferença era maior nas faixas com níveis de ensino mais altos. Entre os que tinham 12 ou mais anos de escolaridade, as mulheres ganhavam apenas 58% do salário dos homens.
Em sua maior parte, a diferença de salário parece ser reflexo de práticas discriminatórias e normas sociais. Além disso, as mulheres brasileiras, mesmo as que trabalham em tempo integral, continuam sendo as que destinam mais tempo a tarefas familiares.
Nesse aspecto, vale lembrar como o Relatório de Desenvolvimento Mundial 2012: Igualdade de Gênero e Desenvolvimento, do Banco Mundial, mostrou vários canais por meio dos quais o crescimento econômico e o bem-estar social podem se beneficiar de menor desigualdade de gênero. Por exemplo, há evidência bem estabelecida de que bebês tendem a ter mais peso e altura quando as mulheres têm maior poder de influência sobre o destino da renda familiar, com óbvias consequências em termos de saúde e capacidade de trabalho da população adulta.
No caso do Brasil, Pierre-Richard Agénor e eu ilustramos os impactos da redução da desigualdade de gênero na aceleração do crescimento econômico, desenvolvendo um modelo macroeconômico no qual é possível simular resultados de políticas específicas. Vamos supor, por exemplo, que o governo adote com sucesso leis contra a discriminação que levem à completa eliminação do preconceito de gênero contra mulheres no local de trabalho. Usando os dados referentes ao Brasil, nossos cálculos, baseados no modelo, indicam que uma política de “trabalho igual, remuneração igual” poderia acrescentar 0,2 ponto percentual ao índice de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Esse é apenas o impacto direto de aumento nos salários líquidos das mulheres, sem incluir outros efeitos na alocação de talento e no desenvolvimento de capital humano.
É surpreendente a variedade de mecanismos pelos quais a redução da desigualdade de gênero pode impulsionar o crescimento econômico. Pensem nos investimentos em infraestrutura, tão necessários atualmente no Brasil. Muitos analistas já destacaram várias formas pelas quais o atual ritmo de crescimento seria mais alto caso investimentos em infraestrutura fossem maiores e melhores, reduzindo o desperdício de tempo e de recursos na produção e no transporte. O que nem tantos podem perceber é o efeito que teria no crescimento graças à… redução na desigualdade de gênero! Mais e melhor acesso a estradas rurais, redes elétricas e outras obras de infraestrutura reduziriam o tempo que as mães destinam a tarefas domésticas e aumentariam o que destinam ao mercado de trabalho, desenvolvimento de capital humano e educação dos filhos.
Educar os filhos também é algo produtivo; leva à melhora na saúde, tanto na infância como na idade adulta. Um ponto crucial é que o aumento no tempo destinado ao desenvolvimento de capital humano aumenta o poder de influência da mulher, o que se traduz em maior tendência familiar em prol da educação das meninas e da saúde das crianças; em aumento da renda média familiar usada com as crianças; e em menor preferência pelo consumo no presente.
Usando novamente nosso modelo, simulamos os efeitos de um aumento, neutro no orçamento, dos gastos governamentais em investimentos em infraestrutura, de um patamar inicial de 2,1% do PIB para 3,1% do PIB. Os cálculos sugerem que essas políticas poderiam elevar o índice anual de crescimento da produção no Brasil entre 0,5 e 0,9 pontos percentuais, quando levados em conta os impactos diretos e indiretos – notadamente as mudanças na distribuição de tempo da mulher e em seu poder de influência sobre os recursos da família.
A desigualdade de gênero é má economia. Priva as economias nacionais do talento das mulheres. Reduz o potencial produtivo da força de trabalho. Restringe o consumo, diminui o rendimento dos impostos e limita os benefícios pessoais e nacionais dos investimentos na educação feminina ao forçar as mulheres a seguir profissões e ocupações em que não fazem uso pleno de suas capacidades e habilidades. Nossos experimentos numéricos com a Igualdade de Gênero e Crescimento Econômico no Brasil corroboram isso.
Uma versão anterior desse texto foi publicada pelo Valor Econômico em 08 de março de 2013
Publicado originalmente por Huff Post Brasil